BOIS PRETOS

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marival furtado vieira

-- Velho Marinheiro, nosso país está de ponta cabeça: inflação alta, juros nas nuvens, recessão, desemprego à vista... A corrupção campeia. E os políticos não se entendem. Às vezes, eu sinto pena da presidente. Ela me parece bem intencionada, mas está isolada. Apanha da oposição, apanha da imprensa, é vaiada nas ruas... Para piorar a situação, sua base no Congresso também lhe cria problemas. Até ministros lhe criam dificuldades. Ouviu o que disse aquele que era da Educação?

O Lobo do Mar olhava o infinito, como quem espera avistar um porto seguro, ou pela aparição sempre bem-vinda de Deolinda – primeiro e único símbolo sexual de Vila Invernada e região.   

-- O senhor ouviu o que eu lhe disse? – quis saber Ananias.

-- Ouvi.

-- O senhor acha que tem cabimento, ainda que ele possa ter razão, o ministro dizer que, no Congresso, há de trezentos a quatrocentos achacadores? Ela fez bem em demiti-lo, não fez?

-- Vamos por partes, Ananias. O ex-ministro – que vem de família de políticos, que sempre foi político – deve saber o que fala. Como dizia aquele costureiro, Dener, boi preto conhece boi preto.

-- Perdão, Velho Marinheiro: quem falava isso era Clodovil.

-- Que seja. Os dois tinham os mesmos trejeitos. Agora, o homem público não pode dizer tudo o que pensa, a não ser que tenha provas.

-- Então, a presidente fez muito bem em demiti-lo, não fez?

-- Ela fez mal em nomeá-lo, isso sim. Mais uma prova de sua incompetência. Esse rapaz vem de uma família de desequilibrados. Por falar nisso, ele nem inovar inovou. Falou a mesma coisa – e usou o mesmo número – que aquele ex-presidente disse anos antes de se eleger, lembra?

-- Claro que lembro.

-- Pois é. Deu no quem deu. As quadrilhas ganharam musculatura. Mas é melhor a gente pedir uma cerveja e mudar de prosa, essa é muito chata. Já vi que você anda com estrelas na cabeça. É inútil argumentar. (2014)