quarta-feira, 5 de setembro de 2018

AS VIAGENS DE ZÉ LINS

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Ilustração: Depositphotos

Zé Lins esperou, pacientemente, que todos convidados fossem embora e que mulher e filha – a única dos rebentos que ainda morava com eles, embora já beirasse os trinta anos – destilassem os inevitáveis comentários pós-festa e se recolhessem. Demorou, mas sua hora chegara. Enfim, só. Serviu-se de uma dose generosa de uísque. Apanhou cigarros e cinzeiro. Certificou-se de que não lhe faltariam os fósforos. Dirigiu-se à varanda, puxou a espreguiçadeira. Hora de manter as pernas estendidas. Malditas varizes. Cabeça tocada, cabeça na lua. 

Zé Lins, então, puxou prosa com Guilhermino, desde sempre seu melhor amigo. Mais que irmão, um confidente. A única pessoa com a qual se abria inteiramente. Entre eles, não havia segredos. Falavam sobre tudo, não havia assunto proibido. Guilhermino ainda tinha uma vantagem em relação a todas demais pessoas que Zé Lins conhecia: Guilhermino não dizia sim, não dizia não. Guilhermino nada falava, só ouvia. 

O anfitrião dava de ombros, achava ótimo. A cumplicidade entre eles era tanta que Zé Lins adivinhava o que o amigo queria lhe perguntar, sabia quando ele estava de acordo, quando tinha alguma objeção a fazer. Então, deitava falação, caprichava nos argumentos, detalhava seus planos, buscava as minúcias do passado. Como a conversa iria longe, Zé Lins achou por bem deixar o litro de uísque por perto. E assim foi feito. Coisa chata interromper, de tempos em tempos, bate-papo tão gostoso. Corre-se sempre o risco de perder o fio da meada. 

Foram horas de confabulação. Zé Lins e Guilhermino falaram sobre tudo: de amores perdidos, de conquistas e fracassos profissionais e, claro, da paixão pelo time alvinegro, campeão dos campeões. Zé Lins apagou. Não viu Guilhermino ir embora. Nem ouviu o galo cantar. Foi despertado pela mulher, quando o sol já lhe corava as bochechas:

- Vai dormir na cama, homem. Está todo torto. As varizes já lhe arruinaram as pernas. Agora, quer escangalhar a coluna?

- E o Guilhermino, onde está Guilhermino?

- Que Guilhermino o quê! Francamente. Você passou a noite falando sozinho. Depois desandou a cantar “Antonico”. Zé Lins, você precisa se tratar. Vai por mim. É só ficar sem ninguém por perto para beber e chamar os fantasmas. (OS - Atualizado em agosto de 2018)


ANTONICO
De Ismael Silva
Com Gal Costa


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