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Zé Lins esperou, pacientemente, que
todos convidados fossem embora e que mulher e filha – a única dos rebentos que
ainda morava com eles, embora já beirasse os trinta anos – destilassem os inevitáveis
comentários pós-festa e se recolhessem. Demorou, mas sua hora chegara. Enfim, só. Serviu-se de uma dose generosa de uísque. Apanhou cigarros e cinzeiro.
Certificou-se de que não lhe faltariam os fósforos. Dirigiu-se à varanda, puxou
a espreguiçadeira. Hora de manter as pernas estendidas. Malditas varizes. Cabeça tocada, cabeça na lua.
Zé Lins, então, puxou prosa com Guilhermino, desde sempre seu melhor amigo. Mais que
irmão, um confidente. A única pessoa com a qual se abria inteiramente. Entre
eles, não havia segredos. Falavam sobre tudo, não havia assunto proibido. Guilhermino
ainda tinha uma vantagem em relação a todas demais pessoas que Zé Lins conhecia:
Guilhermino não dizia sim, não dizia não. Guilhermino nada falava, só ouvia.
O
anfitrião dava de ombros, achava ótimo. A cumplicidade entre eles era tanta que
Zé Lins adivinhava o que o amigo queria lhe perguntar, sabia quando ele estava
de acordo, quando tinha alguma objeção a fazer. Então, deitava falação,
caprichava nos argumentos, detalhava seus planos, buscava as minúcias do
passado. Como a conversa iria longe, Zé Lins achou por bem deixar o litro de
uísque por perto. E assim foi feito. Coisa chata interromper, de tempos em
tempos, bate-papo tão gostoso. Corre-se sempre o risco de perder o fio da meada.
Foram horas de confabulação. Zé Lins e Guilhermino falaram sobre tudo: de
amores perdidos, de conquistas e fracassos profissionais e, claro, da paixão
pelo time alvinegro, campeão dos campeões. Zé Lins apagou. Não viu Guilhermino ir embora. Nem ouviu o
galo cantar. Foi despertado pela mulher, quando o sol já lhe corava as bochechas:
- Vai dormir na cama, homem. Está
todo torto. As varizes já lhe arruinaram as pernas. Agora, quer escangalhar a
coluna?
- E o Guilhermino, onde está Guilhermino?
- Que Guilhermino o quê! Francamente.
Você passou a noite falando sozinho. Depois desandou a cantar “Antonico”. Zé
Lins, você precisa se tratar. Vai por mim. É só ficar sem ninguém por perto
para beber e chamar os fantasmas. (OS - Atualizado em agosto de 2018)
ANTONICO
De Ismael Silva
Com Gal Costa
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