PROJETO
TRAZ A DELICADEZA,
A
SENSIBILIDADE E O GARBO
DO
FEMININO CANTO PERNAMBUCANO
Bruno Negromonte |
O filósofo italiano Empédocles de Agrigento (484 - 421 a.C.) concordava
com outros que o antecederam de que a natureza possuía uma só origem, no
entanto, Empédocles acreditava que essa teoria vista como verdade absoluta
necessitava de uma complementação. Isso o fez querer ir um pouco além do
convencional, fazendo-o defender a ideia de que esse princípio não derivava
apenas de um princípio único, mas sim de quatro raízes fundamentais conforme
podemos observar ao aprofundarmo-nos nesta área. Esta pequena explanação acerca
das concepções do filósofo italiano vem, de certo modo, objetivando dar o
embasamento ao projeto "Quando a canção acabar", iniciativa concebida
pelo cantor, compositor e produtor pernambucano Gonzaga Leal, que arquitetou
reunir neste álbum quatro vozes: Anastácia Rodrigues, Sônia Sinimbú, Cláudia
Beija e Angela Luz. Artistas conhecidas no cenário musical pernambucano elas
trazem consigo em comum muito além do talento que apresentam nos palcos de
algumas das principais salas e palcos do Brasil. No canto destas artistas é
possível perceber não só os quatro elementos fundamentais da natureza, mas uma
unidade feminina onde fogo, terra, água e ar fundem-se de forma uníssona e
meticulosa; dando ao projeto uma unidade bastante coesa e de excelente bom
gosto.
Mas o que seria que assemelha estas artistas além do talento? A resposta
instantânea seria talento; no entanto essas cantoras além do nobre adjetivo
também possuem em comum o fato de nunca terem ido além da participação em
discos de outros artistas. Portanto já era chegada a hora desses talentos
registrarem suas respectivas identidades em disco, uma vez que esse aspecto das
cantoras nunca terem gravado seus trabalhos autorais intrigou Gonzaga, que além
de propiciar esse encontro também viu no quarteto a possibilidade da realização
de um sonho “perdido”, pois segundo o próprio Gonzaga "Quando a canção
acabar é o disco que eu gostaria de ter gravado pra mim, mas que não se adequa
à minha voz."
A realização desse intrínseco desejo deu-se de modo bastante peculiar,
uma vez que o cantor e compositor pernambucano conseguiu fazer do projeto uma
obra com uma estética imbuída de características bastante peculiares,
mostrando-se, de certo modo, um verdadeiro mosaico interpretativo regido por
algumas das mais belas vozes do cenário musical recifense. Uma pluralidade que
dosa de modo harmonioso tudo aquilo díspar entre as intérpretes. "O que
regeu a batuta foram as diferenças e não as semelhanças", afirma Gonzaga.
Das treze faixas presentes no disco cada uma das quatro artistas interpretam
três e juntam-se para cantar a última, que batiza o álbum.
Da esquerda para a direita:
Anastácia Rodrigues, Sônia Sinimbú, Cláudia Beija e Angela Luz
A primeira interpretação fica a cargo da cantora Sonia Sinimbu, artista
que traz além das experiências nos palcos um grande embasamento teórico
adquirido a partir do Conservatório Pernambucano de Música, onde foi aluna nas
classes de canto e violão. Com um timbre marcante e grande afinação, Sinimbu
mostra neste trabalho um grande potencial a ser explorado. Já Angela Luz,
mostra nas canções que interpreta o porquê de sua paixão pela música ter
começado ainda criança e perdurar até os dias atuais trazendo em seu canto toda
uma bagagem significativa, uma vez que Luz já dividiu palco com grandes nomes
da música nacional e regional tais como: Luiz Gonzaga, Hermeto Pascoal, Sivuca,
Dominguinhos, Genaro, Camarão,Osvaldinho, Claudionor Germano, Acioly Neto, Nana
Vasconcelos, Rosaura Muniz entre outros. Sem contar com os diversos festivais
de música não só em Pernambuco, mas também em todo o país que a cantora já
chegou a participar. Neste disco todo o 'know-how' da artista evidencia-se de
modo pleno como pode-se observar nas faixas interpretadas pela cantora.
O disco continua com a cantora e compositora Anastácia Rodrigues, que
apesar de ter iniciado seu curso de música na UFPE (Universidade Federal de
Pernambuco) desistiu no andamento do curso só voltando as salas de aula algum
tempo depois já não mais da universidade, mas no Conservatório. Rodrigues
costuma dizer que foi neste espaço que ela trocou a música barroca pela música
de barraco sob a orientação do maestro Marco César, entrando de corpo e alma no
choro a partir do grupoArabiando. Hoje em carreira solo a cantora tem um vasto
currículo não só na musica popular como também na música erudita. Por fim e não
menos importante destaca-se o nome de Cláudia Beija, artista de destaque do
cenário musical recifense e que já apresentou diversos espetáculos temáticos na
capital pernambucana, dentre os quais podemos destacar o show "Noel Rosa
dá samba", apresentação que contou com a participação dos músicos Tostão
Queiroga, Tomás Melo, George Aragão, Renato Bandeira, Nilsinho Amarante e Caca
Barreto no teatro de Santa Isabel, na série de apresentações do 'Janeiro de
grandes espetáculos', evento realizado anualmente em Recife.
A faixa que dá título ao álbum é de autoria de Luiz Tatit, no entanto
além do compositor e músico paulista o repertório do disco conta também com
nomes como Noel Rosa ('Amor de parceria'), Robertinho do Recife e Abel Silva
('Merengue'), Geraldo Maia e João Falcão ('Tô fora'), Accioly Neto ('Hedionta
musa'), Marcos Sacramento e Luiz Flávio Alcofra ('Na cabeça'), Marco Polo
('Outra vez'), Fabio Tagliaferri ('Mergulhando'),Sérgio Cassiano ('Tico-tico'),
do folclore do Piauí Gonzaga Leal recolheu 'Cantiga de Manoel Leandro' e a
adaptou para o projeto. O disco ainda conta com o pernambucano Juliano Holanda,que
assina duas parcerias: 'Vírgula' (com Publius) e 'Boa hora' (com a cantora e
compositora Alessandra Leão); e com a faixa 'Semeação', de autoria de Anastácia
Rodrigues mostrando-se também uma excelente compositora.
Além das cantoras e do produtor Gonzaga Leal há na tecitura deste
projeto nomes como Cláudio Moura (viola, violão, direção musical, direção de
mixagem e regência), Marcos FM (arranjos e contrabaixo), Alex Sobreira (violão
7 cordas), Breno Lira (guitarra semi-acústica), Ivan do Espírito Santo (sax
tenor), Nilsinho Amarante (trombone), Márcio Silva (bateria), George Rocha
(percussão), Tomás Melo (percussão), Nilson Lopes (arranjo), Maurício Cezar
(piano), Adilson Bandeira (clarinete), Frederica Bourgeois (flautas), Ricardo
Fraga (bateria), Publius (bandolim), Fabinho Costa (trompete), Caca Barreto
(arranjo e contrabaixo), Tostão Queiroga (bateria e percussão), Fabio
Tagliaferri (arranjo e viola de aço), Adriano Busko (percussão), Daniel
Nakamura (violão e contrabaixo) e Sérgio Godoy (arranjo e piano).
Assim sendo Gonzaga Leal apresenta após quatro anos de concepção
"Quando a canção acabar", um projeto que soube fazer algo muito além
do convencional no cenário musical pernambucano. O disco que sai pelo selo
Passadisco (do empresário Fabio Cabral, proprietário também da loja de discos
homônimo ao selo) e atesta que trata-se muito mais que a realização de um
obscuro desejo, ele de modo astuto e técnico soube compactar e moldar em uma
coerente unidade quatro vozes que destacam-se por diversos fatores que vão
muito além das qualidades técnicas. E mesmo de modo coletivo Anastácia, Sonia,
Cláudia e Angela conseguem formular um mosaico único, onde seus respectivos
timbres aliados à delicadeza dão o tom preciso as respectivas interpretações
das artistas. Cada interpretação merece destaque, uma vez que é possível
observá-las como uma verdadeira entrega, um ato de doação por parte das
cantoras que dão tudo de si neste projeto que abre novas oportunidades para
estas artistas que de cantos tão perenes tornaram o projeto capaz de permanecer
mesmo quando a canção acabar.
Segue para audição dos amigos a canção que dá título ao projeto.
"Quando a canção acabar" é uma canção da lavra de Luiz Tatit e conta
com a participação das quatro intérpretes:
Jorge Macedo escreveu: Uma grande aquisição do BLOG DO LANDO ! O extraordinário pesquisador Bruno Negromonte! Conhecedor profundo de nossa música e dos nossos bons artistas e possuidor de uma cultura geral invejável!
ResponderExcluirObrigado mestre Jorge! A recíproca é verdadeira!!
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