quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

QUASE HISTÓRIAS (CXVI)



O CANDIDATO TRAPALHÃO

Depois de muitas idas e vindas, apreensões, repreensões e ajustes os mais diversos, finalmente, Araújo aprovou o texto elaborado por Osvaldinho, seu fiel escudeiro, principal assessor de campanha, dublê de motorista e marqueteiro. E ordenou à secretária que o material fosse enviado ao maior número possível de pequenos, médios e grandes empresários. Com urgência. Afinal, até ele, candidato de primeira viagem – tolo metido a esperto –, sabe que não se faz campanha sem dinheiro. Sua ordem foi cumprida à risca.

Eis o texto aprovado pelo candidato trapalhão:

Nobre empresário:

Venho por meio dessas mal traçadas linhas me colocar, desde já, à sua disposição. Ainda não cheguei lá, mas estou esperançoso, animado mesmo. Mas, para chegar lá, preciso de recursos. Ou seja: de sua ajuda financeira. Não ponho preço, claro. Cada um contribui como pode. Por isso, gostaria de conversar com Vossa Excelência. Vou até sua empresa, se preciso.

Tenha certeza de que Deus lhe dará em dobro – e eu, ao longo do mandato, muitas vezes mais do que o recebido de Vossa Senhoria. A causa me parece justa, até porque, eleito, pretendo transformar meu gabinete e escritório político em usinas de bons negócios para todos os que participarem dessa empreitada, sem descuidar, jamais dos legítimos interesses de nosso povo sofrido, razão primeira de minha candidatura.

Certo de seu apoio e grato pela atenção, aguardo ansioso seu retorno.

Receba meu abraço.

Até a vitória!

ARAÚJO PINTO E SILVA
O SEU CANDIDATO


***

-- Estou decepcionado, muito decepcionado mesmo, com nossos homens de negócios, Osvaldinho. Há dez dias lhes mandamos aquela correspondência e até agora nenhum retorno. Não querem colaborar com um candidato que lhes prometeu abrir as portas de seu gabinete, para que juntos nós montássemos uma usina de bons negócios. Que diabos! Não acreditam em quem lhes fala a verdade, mas contribuem financeiramente com quem faz promessas vagas sobre saúde, educação e outras obviedades. Francamente!

Araújo Pinto e Silva, candidato de primeira viagem, porém, não é homem que desiste com facilidade. Quer porque quer se eleger, para enricar. Mas sabe que, sem dinheiro, não se chega lá. Por isso, gasta seu tempo elaborando estratégias para arrecadar uns trocos. Questão de sobrevivência futura – e presente também. É um pronto.

Depois de muito pensar, pensar, ele revela o novo plano para Osvaldinho, seu homem de confiança, dublê de motorista e marqueteiro, muro de arrimo de sua candidatura mambembe:

-- Vamos enviar uma nova correspondência, agora apenas para empresários de grande porte. Os parlamentares têm uma cota. Durante o mandato podem distribuir títulos de “cidadão da cidade” e medalhas a quem contribuiu para seu desenvolvimento. Coisas que dão status. Os que contribuírem com recursos serão homenageados. Evidente que será dada preferência aos que derem mais dinheiro para a campanha, desde que se comprometam também a pagar no futuro o coquetel da festa. Providencie o texto, não temos tempo a perder.

***

Ante a absoluta falta de recursos, apesar de todas tentativas de conquistar o apoio dos empreendedores, Araújo – o candidato trapalhão – resolveu investir no corpo a corpo. Visitava feiras, plantava-se na porta de igrejas em horário de missa, estendia a mão direita a todos que por ele cruzavam, dava tapinhas nas costas de manequim de loja, abraçava postes, comprometia-se com qualquer causa, por mais estapafúrdia que fosse...

Incansável, ficava no ar 18 horas por dia, muitas vezes só na base da água de torneira e do cafezinho gratuito. Sempre tem uma alma boa.

Até que Osvaldinho – que já não era mais dublê de motorista e marqueteiro, pela triste razão de que acabara o dinheiro para abastecer o fusca – teve uma idéia:

-- Araújo, nós vamos mudar a estratégia, já fizemos muito corpo a corpo, agora será olhos nos olhos: você vai dar palestras para um público mais qualificado. Consegui a primeira. Será amanhã, para alunos de Direito daquela faculdade do bairro. Prepare-se, faça a barba, tome banho bem tomado, descanse durante o dia, para não chegar lá com essa cara amarrotada. Vai falar sobre suas propostas.

Assim foi feito.

Para a distinta platéia, Araújo prometeu lutar sem tréguas por isso e aquilo, não se intimidou ante os que lhe diziam que aquelas não eram prerrogativas de vereador. Respondia convicto: “Tem de ter – meu caro – vontade política”. O caldo entornou de vez quando fez aquela que, a seu ver, seria a declaração mais impactante:

-- Seja quem for o prefeito, estarei sempre ao seu lado, porque quem está na oposição nada faz, nada leva. Nem para si, nem para os outros. Serei sempre situação. Doa a quem doer.

Saiu sob vaias e xingamentos. Até hoje, não entendeu o motivo.

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