sábado, 3 de maio de 2014

CLÓVIS CAMPÊLO

NO TEMPO DAS MARIQUITAS



Havia uma época em que as mariquitas invadiam as locas das pedras da praia do Pina. Eram uns peixinhos vermelhos, quase que inadequados para o consumo humano, por conta do excesso de espinhas. Nas marés baixas, quando o mar secava e as pedras ficavam expostas, nós os pescávamos com facilidades nas pequenas poças de água que se formavam sobre os corais.

Naquela época o antigo emissário que havia, levando os dejetos coletados da estação sanitária da Cabanga, o famoso cano do Pina, atraia uma grande quantidade de peixes. Pescar ali, era fácil. Tanto se pescava com varas de anzóis, com de rede ou de mergulho. Até mesmo a pesca predatória com bombas ainda se praticava. Perigosíssima e absurda, pois tanto servia para matar um número excessivo de peixes, a maioria dos quais não seriam utilizadas pelos pescadores, como para estourar os tímpanos de algum mergulhador incauto que estivesse por perto na hora da explosão.

Na verdade o cano do Pina funcionou até o início dos anos 80, quando foi desativado pela Compesa. Em 2004, por ordem da CPRH, o cano foi definitivamente retirado pela Prefeitura do Recife, quando da revitalização da praia. A desativação do cano diminuiu a poluição das águas mas também afastou os peixes e outros animais marinhos (siris, moreias, guajás, tatuís, etc.) do local, inclusive as mariquitas.

Um outro fator de afastamento da fauna marinha foi o assoreamento da praia, notadamente no trecho que vai do paredão de Brasília Teimosa até a Rua Ondina, no Pina. Esse processo foi tão acentuado e acelerado nos últimos anos, que os barcos de pesca que ancoravam na praia em frente à sede da Colonia Z-1, tiveram que ser deslocados para a Bacia do Pina.



Assim, fatores naturais influenciaram na mudança da rotina de trabalho dos pescadores e em alguns hábitos culturais e religiosos, como a procissão marítima de São Pedro. Realizada todos os anos no dia 29 de junho, passou a ter uma parte terrestre e outra marítima, haja vista que o andor com o santo, saindo da sede da Colônia Z-1, passou a atravessar as ruas locais até alcançar os barcos no outro lado do bairro.

Naquela época, no tempo das mariquitas, a fartura de substâncias orgânicas eram tão grande, que até alguns tubarões eram atraídos em busca dos peixes que compunham a sua cadeia alimentar. Quem pescava de mergulho, como o meu irmão Carlinhos, sabia disso. A partir da segunda faixa dos corais (existiam três faixas de corais separando os canais navegáveis, quando a maré estava baixa) era provável dar de cara com algum daqueles seres cartilaginosos, mas que raramente atacavam. A fartura de alimentos disponíveis os tornavam dispostos a conviver pacificamente com os mergulhares, diferentemente de hoje quando atacam banhistas até próximo da beira-mar.

No tempo das mariquitas, aliás, ainda não havia ocorrido no bairro a explosão demográfica provocada pela aceleração da especulação imobiliária. O Pina, com a sua praia tranquila, ainda era um bairro bucólico. Hoje, derrubam-se quarteirões inteiros de casas e pequenos prédios para a construção de espigões gigantescos e modernos. Faz tempo que as antigas casas de banho, onde se alugavam roupas (calções e maiôs) para o desfrute da praia, acabaram-se. Sumiram junto com as mariquitas.

Recife, 2014


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