Chegou a pensar que enlouqueceria antes de o dia amanhecer. Pensou,
não: teve certeza. O pai o chamava ao quarto de hora em hora, no começo da
madrugada. Depois, já no meio da madrugada, o tempo entre uma chamada e outra
encurtou para meia hora.
O pai não queria mais o cobertor, queria mudar de lado, queria ficar
sentado, queria tomar água, queria o cobertor de novo e mudar de lado também,
queria tirar a fralda, não estava na hora do café, não?
Entre uma chamada e outra, o pai se digladiava com seus inúmeros
fantasmas, chamava a polícia, chamava o ladrão, dizia palavrões que nunca
dissera ao longo da vida, homem educado que sempre foi.
O dia amanheceu.
Após tomar a primeira leva de comprimidos, ainda na cama, o pai lhe
perguntou:
-- Dormiu bem esta noite?
Saudade do pai.
(OS - Atualizado em março de 2019)
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