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INTELECTUAL? NÃO.
Outra coisa que não parece ser entendida pelos outros é quando me
chamam de intelectual e eu digo que não sou. De novo, não se trata de modéstia
e sim de uma realidade que nem de longe me fere. Ser intelectual é usar
sobretudo a inteligência, o que eu não faço: uso é a intuição, o instinto. Ser
intelectual é também ter cultura, e eu sou tão má leitora que, agora já sem
pudor, digo que não tenho mesmo cultura. Nem sequer li as obras importantes da
humanidade. Além do que leio pouco: só li muito, e li avidamente o que me
caísse nas mãos, entre os treze e os quinze anos de idade. Depois passei a ler
esporadicamente, sem ter a orientação de ninguém. Isto sem confessar que –
dessa vez digo-o com alguma vergonha – durante anos eu só lia romance policial.
Hoje em dia, apesar de ter muitas vezes preguiça de escrever, chego de vez em
quando a ter mais preguiça de ler do que de escrever.
Literata também não sou porque não tornei o fato de escrever livros
“uma profissão”, nem uma “carreira”. Escrevi-os só quando espontaneamente me
vieram, e só quando eu realmente quis. Sou uma amadora?
O que sou então? Sou uma pessoa que tem um coração que por vezes
percebe, sou uma pessoa que pretendeu pôr em palavras um mundo ininteligível e
um mundo impalpável. Sobretudo uma pessoa cujo coração bate de alegria
levíssima quando consegue em uma frase dizer alguma coisa sobre a vida humana
ou animal.
Clarice Lispector em “A descoberta do mundo”
(crônicas publicadas no Jornal do Brasil de 1967 a
1973).
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