O MISTÉRIO DAS BERMUDAS
Nos
anos 60, a turma do Pasquim reclamava
que numa cidade tropical como o Rio de Janeiro não se pudesse ir aos cinemas de
bermudas. Todos os cinemas cariocas, naquela época, tinham como praxe barrar o
minúsculo vestuário. Se no Rio era assim, imaginem no Recife de então, cidade
pequena e decente.
Os
tempos e os costumes mudaram, no entanto, e hoje a bermuda foi não só
reabilitada como incorporada às vestimentas dos tempos modernos. Hoje, ela pode
ser vista nos consultórios médicos, nos cinemas, nos aeroportos e em quase
todos os outros lugares das cidades grandes. Ainda bem.
Porém,
nas repartições públicas da província, mesmo o Recife tendo se transformado
numa cidade grande e indecente, a bermuda continua proibida nas repartições
públicas federais, estaduais e municipais. Confesso que nunca entendi a lógica
dessa proibição, já que continuamos vivendo em um país tropical e abençoado por
Deus.
Acho
irracional ver pacientes e beneficiários sendo despachados na portaria da
repartição pública onde trabalho, simplesmente por estarem usando o traje
transgressor. Muitas vezes são pessoas de poucos recursos, portando apenas o
dinheiro da passagem, até mesmo vindos do interior do Estado e de outras cidades,
que são obrigadas a retornar aos seus pagos sem a resolução ou encaminhamento
das suas pendências.
Segunda
a Wikipédia, a minha querida e moderna mãe dos burros, a bermuda é traje típico
nas ilhas Bermudas, onde surgiu e se alastrou pelo mundo inteiro e de onde
tomou emprestado o nome. Na minha idade, é o meu traje preferido. Não entendo
como nas repartições públicas da minha terra são permitidas as mini-saias (nada
contra!) e proibidas as bermudas. Que mistério é esse?
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De
uma maneira geral, o recifense é conservador. Talvez esse seja um ranço das
influências inglesas nos séculos passados. Durante muito tempo fomos por eles
influenciados. O trust multinacional inglês, que dominou a nossa economia em
meados do século XVIII e início do século XIX, deixou-nos essa marca. Antes
deles, fomos marcados pelo conservadorismo da influência portuguesa. Talvez o
que nos tenha salvo da subserviência moral definitiva. O que digo, porém, não
tem embasamento científico nenhum. Aliás, corro disso como o diabo corre da
cruz. Sou apenas um curiólogo que adora interpretar a realidade ao seu modo e
escrever com liberdade e criatividade. Foi Deus quem me fez assim.
Assim
sendo, ao mesmo tempo em que procuro motivos e assuntos para uma nova crônica,
pratico a ousadia de inventar teorias. A moralidade do povo maurício é
evidente. Basta ir ao calçadão de Boa Viagem e olhar a indumentária dos que ali
praticar a salutar caminhada recomendada pela Organização Mundial de Saúde. As
pessoas vão caminhar no calçadão excessivamente vestidas, como se estivessem
indo à missa ou a um velório. Praia é lugar de descontração e pouca roupa.
Vivamos a descontração das cores e o privilégio da luz que a Natureza nos proporciona.
Talvez assim consigamos decifrar e redefinir o mistério da proibição das
bermudas.
Recife,
janeiro 2016
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