sábado, 6 de setembro de 2014

CLÓVIS CAMPÊLO

A HORA DE MORRER



Nenhuma morte deveria ser antecipada. Ninguém merece. Deveríamos morrer assim, no fim da vida, dormindo, sonhando, apagando-se suavemente como uma chama que se autoconsome. A morte antecipada sempre é brutal. Como tudo na vida, possibilita interpretações várias, dependendo da síntese ideológica ou filosófica do observador.

Do mesmo modo, a morte antecipada é sempre uma traição, pois nega a crença de que possamos ter algum controle sobre algo, mesmo que esse algo sejam as nossas próprias vidas. No jogo de forças incompreensíveis e poderosas que regem o universo, somos partículas atômicas diminutas, sujeitas às intempéries do acaso (ou do caos).

Na nossa mente animal, porém, alimentamos a ideia de que a morte é algo a ser superada e anulada. Vivemos a ilusão de que caminhamos para um nível de conhecimento onde isso será possível. Afinal somos filhos e feitos à semelhança de Deus. E se a ele foi dado o direito de criar e administrar o mundo, demiurgo cósmico que é, por não será assim também com os seus filhos?

A angústia de um dia superar a morte, termina por se transformar, para nós humanos, em um sentimento maior do que a angústia por medo da própria morte. Já não admitimos mais que exista uma hora certa para morrer. O pensamento transborda, desliga-se da base material e perde o senso da realidade. Um verdadeiro delírio.

Assim, quando o trágico ressurge em nossos caminhos e antecipa um desfecho qualquer em qualquer uma das vidas por nós conhecidas, voltamos a nos indagar e a vacilar diante do fato inevitável e incontornável.



Voltamos a ter a percepção de que continuamos a ser uma poeira cósmica, sem eira nem beira, a mercê do que o destino, ou outra qualquer conjunção de forças incompreensíveis para nós, preparou. Percebemos que as forças da natureza são tão gigantescas e incontroláveis que voltamos a entrar em pânico. Não existe saída racional para a morte, do mesmo modo como não nos foi dada nenhuma escolha sobre a possibilidade de vivermos ou não. De repente, abrimos os olhos e tomamos consciência de que existíamos em um mundo que precisava ser traduzido. O nosso esforço vital, assim, passa a ser o exercício da sobrevivência do indivíduo para perpetuar-se a sobrevivência da espécie. De repente, fecharemos os olhos e seremos deslocados para outra dimensão existencial, onde, talvez, necessitemos de um outro aprendizado para uma nova sobrevivência, até que haja uma nova consumação.

Mas, para falar a verdade, nem mesmo disso temos certeza alguma. São puras conjecturas do nosso condicionamento racionalista. Por isso, a necessidade de voltarmos a confabular conosco mesmo em busca de um entendimento mais tranquilizador e que nos permita entrar em sintonia com um ritmo adequado de pulsação cósmica.

Somos e seremos sempre uma poeira cósmica na infinitude do universo.

Recife, 2014



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