UMA CADEIRA À ESPERA DE UM PRESIDENTE QUE PRESTE |
UMA AGONIA DOLOROSA
A desgraça do governo Temer podia até ser esperada,
dado seu histórico na política. Incomoda a falta de homens
públicos com valores morais para gerir o país
Por J. R Guzzo
Publicado na Revista Exame
Via Blog do Augusto Nunes
O Brasil está mais uma vez à procura de um governo, situação em
que vem vivendo desde a reeleição de Dilma Rousseff para a Presidência da
República no final de 2014. A presidente entrou em seu segundo mandato já em
estado de morte clínica, e assim permaneceu até ser despejada do Palácio do
Planalto pelo impeachment, enquanto se procurava um governo para tocar o país.
Encontrou-se o único possível ─ o do vice-presidente Michel Temer, conforme
manda a Constituição. Agora, pela segunda vez em menos de três anos, temos de
novo a mesma anomalia. Há um presidente no Palácio do Planalto, mas não há. Com
pouco mais de um ano no cargo, Temer bateu numa mina de TNT e passou a se
desmanchar, como sua antecessora se desmanchou. Acontecerá de novo, mais
adiante, com praticamente qualquer político brasileiro hoje em atuação. É gente
que só sabe participar da vida pública de uma maneira ─ a maneira errada. E
isso fica muito difícil quando não se pode mais contar com o tapete que cobria
tudo o que essa gente sempre fez.
A desgraça do governo Temer poderia ser até esperada, como uma
questão de tempo, levando-se em conta as ligações que teve durante toda uma
vida na política, seu entendimento do que é “governo” e seus anos a fio de
participação na máquina pública. Mas sua agonia está sendo duplamente dolorosa.
Nem tanto pelas consequências imediatas, pois é bastante provável, felizmente,
que a orientação econômica de seu governo ─ um acerto acima de discussão ─
permaneça basicamente como está. O que incomoda, em primeiro lugar, é a
constatação da incapacidade terminal dos homens públicos brasileiros, de
“direita”, “esquerda” ou do raio que for, para gerir o país com um mínimo de
responsabilidade, aptidão gerencial e valores morais. Isso está presente no
Executivo, no Legislativo e no Judiciário. Não é uma questão de ideologia
errada, pois quase ninguém aí tem uma ideia ─ não o que se possa realmente
chamar de ideia. Trata-se, desastrosamente, de uma questão de hábito, de apego
fanático a um sistema de exploração criminosa do Estado em proveito próprio e
da recusa absoluta em mudar. Em segundo lugar, incomoda a maneira abusiva,
oculta e cada vez mais suspeita, do ponto de vista legal, com que está sendo
conduzida a guerra contra o presidente.
“O que incomoda, em primeiro lugar, é a constatação
da incapacidade terminal dos homens públicos
brasileiros, de “direita”, “esquerda” ou do raio que for,
para gerir o país com um mínimo de responsabilidade,
aptidão gerencial e valores morais”
Foi estranhíssima, desde o início, a conduta do procurador-geral
da República, Rodrigo Janot, e de sua equipe no Ministério Público nas
acusações feitas contra Temer. Depois, foi ficando mais estranha ainda. No
aspecto mais alarmante de seu conjunto de ações, continua incompreensível o
fato de os donos da maior empresa privada do Brasil, a JBS, que confessaram uma
massa de crimes capaz de lhes render dezenas de anos de prisão, caso
condenados, ter sido presenteados pelo procurador-geral com um extraordinário
perdão em relação a tudo que fizeram. Se as coisas continuarem assim, jamais
serão julgados perante a Justiça brasileira pelos crimes que confessaram ─
jamais usarão, nem sequer por um dia, a tornozeleira da da prisão domiciliar. Em
troca, ofereceram ao MP denúncias até agora contaminadas por todo tipo de
dúvida ─ a começar por uma fita gravada de uma conversa entre Temer e um dos
donos da JBS tecnicamente arruinada como prova e considerada imprestável. O
ex-braço direito de Janot na PGR, até março último, trabalha hoje no escritório
de advocacia que defende os empresários. Filmagens constantes da denúncia não
foram feitas pela Polícia Federal, e sim por “uma equipe” da PGR. Não se sabe,
também, por que os procuradores não fizeram nenhuma perícia das fitas gravadas,
por que deixaram sob controle do delator uma parte crucial da operação e por
que fecharam em menos de um mês, com a aprovação do ministro Edson Fachin, do
STF, um acordo explosivo como esse. Não se sabe, na verdade, mais uma montanha
de coisas. Resultado: a história toda encontra-se no momento debaixo de uma
nuvem tóxica com a pior das aparências. Qui custodiet custodes? Quem vigia quem
nos vigia?
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