Jornalista em fim de carreira, vivendo de bicos,
Ananias é sujeito de hábitos prosaicos. Nem poderia ser diferente. Sempre
trabalhou muito, sempre ganhou pouco. Seu único lazer, fora as leituras, é
tomar um aperitivo em botecos populares. O dinheiro é curto. Mas não reclama,
até gosta de conviver com pessoas simples, de não se desgarrar do mundo real. É
seu lado repórter a desassossegá-lo. A desgraça é que, frequentemente, tem que mudar
de boteco. E sempre pelas mesmas razões. Ninguém suporta ser motivo de chacota.
Nem Ananias.
No início, os novos amigos lhe fazem festa.
Apresentar-se como jornalista é coisa que costuma causar certo frisson na
maioria das rodas. Mas, logo, logo, a admiração inicial, que beira a
vassalagem, é substituída pelas gozações. É questão de semanas. A porta do
inferno está aberta. É sempre assim.
“A” quer saber se ele já entrevistou Obama. “B” não
se conforma que ele não tenha tido um encontro sequer com Fidel. Não adianta
explicar que sua área é outra. “C” e “D” acham um absurdo que ele não saiba de
cor e salteado os nomes dos mais de 5.000 municípios do país. “E” vai à
loucura, quando ele admite não ter respostas para solucionar o trânsito de São
Paulo nem para acabar com a corrupção no Brasil. E a coisa vai num crescer. Até
que “X”, “Y” e “Z” lhe perguntam com a franqueza dos ignaros tocados pela uca:
“Mas, que porra de jornalista é você? Onde comprou o diploma?”
Hora de mudar de boteco. Jornalista sofre. Ananias
não foge à regra. (agosto/2013)
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