quinta-feira, 5 de setembro de 2013

PIO XXIV NÃO SABIA QUE HÁ MULHERES...


Ernesto podia se conformar com tudo. E com tudo se conformava. Sempre foi homem de boa fé. Mais conformado que ele, se é que existe criatura dessas, não conheci ninguém. Nunca se ouviu um grito seu, um palavrão sequer. Daquela boca bendita só saiam orações. O máximo que ele se permitia era emitir – coisa rara – um sonoro “e que tudo o mais vá para o inferno”. Era fã de Roberto Carlos. Para compensar o rompante desnecessário, a seu ver, partia sempre para uma série de novenas. Aqui se faz; aqui se paga. Ernesto sabe disso. Jamais deixou de rezar, embora fosse homem de pouco pecar.

Mas sua beatitude não lhe tirava o prazer indescritível de se empoleirar, duas, três vezes por mês, sempre às terças-feiras ou quintas-feiras (o Corinthians, seu maior vício, só joga nas quartas e domingos) em Verônica – mulher à moda antiga: patroa de ancas largas, cintura fina, peitos avantajados, mulher que hoje não se faz mais. A elegância exagerada pôs o mundo a perder. Hoje, ser bacana é ser pau de virar tripa, mulher sem carne, só pele e osso, nada mais. Frango a passarinho.  Não quero falar de gravetos. O mote dessa conversa é Ernesto, o pio.

Era terça, era quinta? Não sei. Minha memória falha sempre quando preciso dela. O que sei é que era dia de Ernesto marcar o ponto. Verônica fez o que sempre fez: cumpriu sua parte, simulou com maestria. Mas a vizinha reduziu seu teatro à categoria de circo mambembe: berrou além da conta, pecou pelo exagero.

-- Caramba, ela deve estar tendo prazer medonho. O cara deve ser bom mesmo, disse Ernesto, com uma estaca de inveja no peito.

-- Bom nada. Ela está fingindo, eu sei. Conheço bem a figura.

-- Quem? O cara? – impacientou-se Pio XXIV.

-- Não. A vizinha, Ernesto.

-- Você finge também?

-- Eu não, querido, eu não. Jamais fingi. Você é demais de bom. Vamos dormir. Está na hora. Na semana que vem a gente continua.

Ernesto riscou do seu caderninho as terças e quintas também, dobrou a reza pelas mulheres que fingem. E Verônica encontrou a paz. Finalmente. Mas a vizinha, coitada, continua a ganir o prazer que só o marido dela toma por vero.  (abril de 2013)



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