Ernesto podia se conformar com tudo. E com tudo se
conformava. Sempre foi homem de boa fé. Mais conformado que ele, se é que
existe criatura dessas, não conheci ninguém. Nunca se ouviu um grito seu, um
palavrão sequer. Daquela boca bendita só saiam orações. O máximo que ele se
permitia era emitir – coisa rara – um sonoro “e que tudo o mais vá para o
inferno”. Era fã de Roberto Carlos. Para compensar o rompante desnecessário, a
seu ver, partia sempre para uma série de novenas. Aqui se faz; aqui se paga.
Ernesto sabe disso. Jamais deixou de rezar, embora fosse homem de pouco pecar.
Mas sua beatitude não lhe tirava o prazer
indescritível de se empoleirar, duas, três vezes por mês, sempre às terças-feiras
ou quintas-feiras (o Corinthians, seu maior vício, só joga nas quartas e
domingos) em Verônica – mulher à moda antiga: patroa de ancas largas, cintura
fina, peitos avantajados, mulher que hoje não se faz mais. A elegância
exagerada pôs o mundo a perder. Hoje, ser bacana é ser pau de virar tripa,
mulher sem carne, só pele e osso, nada mais. Frango a passarinho. Não quero falar de gravetos. O mote dessa
conversa é Ernesto, o pio.
Era terça, era quinta? Não sei. Minha memória falha
sempre quando preciso dela. O que sei é que era dia de Ernesto marcar o ponto. Verônica
fez o que sempre fez: cumpriu sua parte, simulou com maestria. Mas a vizinha reduziu
seu teatro à categoria de circo mambembe: berrou além da conta, pecou pelo
exagero.
-- Caramba, ela deve estar tendo prazer medonho. O
cara deve ser bom mesmo, disse Ernesto, com uma estaca de inveja no peito.
-- Bom nada. Ela está fingindo, eu sei. Conheço bem
a figura.
-- Quem? O cara? – impacientou-se Pio XXIV.
-- Não. A vizinha, Ernesto.
-- Você finge também?
-- Eu não, querido, eu não. Jamais fingi. Você é
demais de bom. Vamos dormir. Está na hora. Na semana que vem a gente continua.
Ernesto riscou do seu caderninho as terças e quintas
também, dobrou a reza pelas mulheres que fingem. E Verônica encontrou a paz.
Finalmente. Mas a vizinha, coitada, continua a ganir o prazer que só o marido
dela toma por vero. (abril de 2013)
Nenhum comentário:
Postar um comentário