PARLAMENTO ALEMÃO (FOTO: ARQUIVO GOOGLE) |
PARLAMENTARISMO
E IMPORTAÇÃO DE IDEIAS
A
aprovação de reformas passa por negociações que nada
têm
de republicanas, embora sejam de interesse nacional
Por
Dênis Rosenfield
O
Globo
24/07/2017
Volta e meia, imerso em crises, o
país vê-se confrontado com propostas de reforma política, voltadas para a
implementação do parlamentarismo no país. É como se, em um passe de mágica,
todos os problemas fossem suscetíveis de um equacionamento simples, baseado em
uma mera troca de sistema de governo. O problema, porém, reside em que as
instituições parlamentaristas muito bem funcionam no nível dos princípios ou em
seus países de origem. Nada disto, porém, corresponde ao seu funcionamento
quando transplantadas a outros países de tradições e histórias distintas.
A questão, muito bem analisada na
obra de Oliveira Vianna, consiste na refração das ideias e no deslocamento das
instituições. Teria sentido simplesmente importar um sistema de governo? Seria
ele “importável”? As ideias ganham, neste processo, outro significado a
despeito de guardarem a aparência de sua significação anterior. Os
“importadores” podem ter, inclusive, a melhor intenção, mas seus efeitos podem
também não corresponder ao que foi projetado.
Operando em outro contexto
institucional, conforme outra história, produzem consequências que não
ocorreriam em seus países de origem. A depender do modo de utilização das
ideias, elas podem vir a produzir grandes deslocamentos políticos. Como pode
uma ideia constitucional vingar em países de tradição totalmente diferente? De
que valem comparações, se essas não levarem em conta o contexto histórico de
implementação destas ideias?
Há uma certa tendência na política
brasileira de opção por grandes transformações, em vez de mudanças graduais que
observariam os vários contextos particulares de sua concretização. O
parlamentarismo pressupõe partidos políticos organizados, com doutrinas
próprias, que disputem a opinião pública segundo as suas concepções. Procuram
conhecê-la e persuadi-la do bem fundado de seus projetos.
Não são meros agregados de pessoas e
interesses, mas deveriam possuir um propósito válido para toda a coletividade.
Ora, observamos na cena política brasileira um forte componente fisiológico e,
mesmo, de corrupção que faz com que a representação política seja falseada, ou
seja, submetida a trocas dos mais diferentes tipos para que propostas coletivas
sejam aprovadas.
A aprovação de reformas, por exemplo,
passa por negociações que nada têm de republicanas, embora sejam de interesse
nacional. Imagine-se, em um sistema parlamentarista, o não atendimento deste
tipo de demanda. Ele não repercutiria somente na não aprovação de um projeto,
mas produziria um voto de desconfiança, podendo levar à queda do Gabinete. Dado
o caráter inorgânico dos partidos políticos brasileiros, poderíamos ter vários
primeiros-ministros no transcurso do ano.
De nada adiantam grandes ideias, se
elas não vierem acompanhadas de medidas básicas, que seriam de muito valia para
um melhor regime republicano. Pense-se que um novo governante deveria, por sua
vez, substituir os milhares de cargos comissionados, criando uma total
balbúrdia na administração pública. Necessita o país de tal número de cargos?
É evidente que a inexistência de
cláusula de barreira para a criação de partidos políticos é um poderoso
estimulo à fragmentação partidária, tornando difícil qualquer organização. A
observação histórica mostra que, em sistemas de governo presidencialistas ou
parlamentaristas, poucos partidos fortes são de natureza a produzir a
estabilidade governamental.
DÊNIS ROSENFIELD (FOTO: ARQUIVO GOOGLE) |
Tampouco são favorecidas as
instituições se esta pletora de partidos for organizada sob a forma de eleições
proporcionais se, dependendo da aliança, o voto em um partido redundar na escolha
de outro. A proibição de coligações partidárias seria um poderoso instrumento
de depuração do sistema político, produzindo um mínimo de organicidade. Haveria
uma coincidência entre a representação política e a partidária.
Agora, na contramão de qualquer
depuração, estamos vendo nascer propostas de financiamento público de eleições
estimadas em mais de R$ 5 bilhões. Em um país em séria crise econômica, não
deixa de ser um escárnio. Tome-se o caso da França. As perdas dos socialistas e
republicanos, por suas derrotas legislativas, são estimadas em torno de poucas
dezenas de milhões de reais, já feita a conversão. O partido de Macron ganhou
em torno de 80 milhões. Os patamares são, comparativamente, para nós, muito
baixos. No Brasil, fala-se de bilhões de reais como se fosse apenas o
necessário, da mesma forma que a nossa corrupção é de país rico, sempre
calculada em bilhões.
Partidos deveriam ser financiados,
enquanto entidades privadas, por seus membros e simpatizantes. Deveriam fazer
um esforço de coleta, o que é, para pessoas físicas, permitido pela nova
legislação. Considerando que não há nenhuma organicidade partidária, parte-se
agora, vista a proibição da contribuição empresarial, para o financiamento
público, que, de público, só possui o nome, pois é originário de impostos de
contribuições. Tirar-se-ia do orçamento da Saúde, da Educação ou da Habitação,
por exemplo, para o financiamento dos partidos.
Hoje, sabe-se, graças à Lava-Jato,
que os recursos de empresas eram só aparentemente privados, sendo resultado da
corrupção e do desvio de recursos públicos. Graças a este esquema político
perverso, os espetáculos políticos midiáticos puderem acontecer. A opinião
pública, despreparada, comprou a mensagem que lhe foi oferecida. A política
tornou-se assunto de marqueteiros, mercadores de imagens, pagos a preço de
ouro.
Oliveira Vianna, em seu célebre
livro, “O ocaso do Império”,
assinalava que, no Segundo Reinado, os partidos tinham se tornado “simples
agregados de clãs organizados para a exploração em comum das vantagens do
´poder”. Ou ainda, “os programas que ostentavam eram, na verdade, simples
rótulos, sem outra significação que a de rótulos”. Parece que está falando dos
dias de hoje. Como pode vingar um sistema representativo sem partidos dignos deste
nome?
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Denis
Lerrer Rosenfield é professor de Filosofia na Universidade Federal do Rio
Grande do Sul
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