BABA DE MOÇA |
COMER COMO UM FRADE
Além de nomes assim criativos, surgiram expressões
curiosas sobre a gula de frades e padres
Por Deonísio da Silva (*)
Via Blog do Augusto Nunes
23/07/2017
São deliciosos, não apenas os
doces conventuais, mas também os nomes criativos que lhes deram as monjas portuguesas
e brasileiras.
Suspiros, agarradinhos,
bem-casados, baba de moça, beijo de freira, ovos moles, barriga de freira,
pescoço de freira, olho de sogra e, entre outros, rabanada, cujo étimo é rabo,
que em Portugal não é palavrão. Os ovos, com a clara separada ou não da gema,
entravam na fabricação desses doces em profusão.
A Igreja sempre prescreveu os
benefícios do jejum, mas foi nos conventos que as monjas inventaram as mais
refinadas iguarias, principalmente doces, guloseimas e sobremesas.
Nas designações acima citadas há
estreitas relações entre o desejo (não apenas o desejo de comida) e o ato de
comer. O caso luso-brasileiro é exemplar. A partir do século XVI, Portugal e
Brasil tornaram o açúcar um ingrediente indispensável nas casas, nas igrejas,
nos conventos, não apenas no comércio.
Muitas monjas tinham sido postas
nos conventos à força, onde sua virgindade era protegida num tempo de muitas
guerras, todas elas marcadas por estupros pouco relatados, pois a violência
contra a mulher demorou a ser um escândalo e ainda hoje é tolerada em algumas
culturas.
OLHO DE SOGRA |
A Igreja criou o voto de
virgindade para proteger a mulher! Se ela era consagrada a Deus, não podia ser
tocada. Forças especiais eram deslocadas para proteger os conventos! Mas,
estando ali à força, sentiam saudades prévias do casamento e, não podendo ficar
agarradinhas aos amados, faziam doces agarradinhos uns aos outros, como o
bem-casado.
Além de nomes assim criativos,
surgiram expressões curiosas sobre a gula de frades e padres. Barriga de padre,
cemitério de galinha. Numerosos provérbios e expressões lembram que os frades
jamais comeram mal. Na tradição luso-brasileira, os padres não estão vinculados
ao jejum, costume cristão de dois milênios, mas à gula.
As razões são muitas, mas uma é
especial: para compensar o voto de castidade, que lhes proibia o sexo,
religiosos e religiosas dedicaram-se à elaboração de comidas, vinhos e licores
cuja fama atravessou os séculos. Frei Betto publicou um livro de título que
expressa o lado prazeroso, não apenas de comer, mas de fazer a comida: Comer com um frade: divinas receitas para
quem sabe por que temos um céu na boca (Editora José Olympio).
Deonísio da Silva é professor, escritor e etimologista
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