quinta-feira, 7 de junho de 2018

QUASE HISTÓRIAS: PEDIU, LEVOU

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Foto: Arquivo Google

Naquele final de tarde de segunda-feira, o Bar do Carneiro estava literalmente às moscas -aliás, como sempre acontece nas ocasiões em que a data de pagamento coincide com o início do "feriadão". Em vez de quitar o que deve, a turma se manda para a Praia Grande, litoral Sul de São Paulo. Ainda mais se a meteorologia garante que os quatro dias pela frente serão de calor e sol, sem risco de chuvas. E o pobre do Carneiro que se dane com os fiados. 

O raciocínio dominante entre os muitos devedores  - se é que se pode chamar de raciocínio o que é mera lambança - parece ser o seguinte: "Ele é comerciante, empresário, pode esperar. E a gente também tem o direito de se divertir com a família, ou não?". Carneiro já se acostumou com isso. Seus fornecedores, infelizmente, não. Querem o seu. Carneiro que se vire. E ele, coitado, se vira. Tudo o que não pode é perder o crédito na praça.

Na mesma mesa de sempre, o Velho Marinheiro e Ananias. No balcão, a prosear com o proprietário da espelunca, um desconhecido por todos. O sujeito, provavelmente, estava de passagem. Ou acabara de se mudar para uma das ruas estreitas e íngremes da Vila Invernada. Ninguém o conhecia. A paz de cemitério foi interrompida com a chegada de Edivaldo Serrote - um dos pidões mais manjados da redondeza, mestre na arte de aporrinhar os outros, insistente que é. 

Serrote pediu a Carneiro uma lata de cerveja, uma cachaça e um cigarro solto made in Paraguai. Queria - para não variar, claro - pendurar a conta, àquela altura já salgada. De pronto, o dono do estabelecimento, movido por uma coragem por todos desconhecida, descartou a ideia: "Não vendo mais cigarro fiado nem que seja um só e por apenas um dia. Favor não insistir". Preservou o mata-rato, mas não impediu que a conta do cara-de-pau aumentasse, por conta da cachaça e da cerveja concedidas. Ou seja: o "não" de Carneiro nada mais que um "não" pela metade. 

Serrote, então, dirigiu-se ao ilustre desconhecido. Seu pedido deu em nada. O homem demarcou o terreno. Antitabagista radical, disse que jamais pusera uma "porcaria dessas na boca". E ainda desandou a falar: "Sabe qual é a melhor definição de cigarro?" Ante o silêncio dos poucos presentes, deu ele mesmo a resposta: "Cigarro é um pequeno cilindro com uma brasa numa ponta e um idiota na outra". 

O pidão profissional olhou para a única mesa ocupada, sabia que suas chances de sucesso eram mínimas, para não dizer nulas. Mesmo assim, resolveu arriscar:

- Velho Marinheiro, mestre dos mares, o senhor tem um cigarrinho para me arrumar? Só por hoje. Os meus acabaram de acabar.

- Tenho, Serrote, mas não vou lhe arrumar coisa nenhuma. E sabe por quê?

- Não.

- Porque você não se emenda. Crie vergonha na cara, vagabundo. Pare de fumar. Se não for pela saúde que a cachaça já lhe roubou, que seja para não encher mais o saco dos outros. Com licença. Vá vender seu cinismo em outra freguesia. Antes disso, acenda o maldito cigarro que está atrás de sua orelha direita. Ou então saque um do maço que você carrega no bolso esquerdo da calça. E, agora, nos dê licença.

Edivaldo Serrote foi serrar em outras freguesias. 

Por Orlando Silveira - Maio de 2018 

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E POR FALAR EM "PIDÃO"...
LEIA TAMBÉM: 
"DUAS GOTINHAS, PLEASE"

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Tudo bem, tudo bem. Pedir é melhor que roubar. Mas quem pede o tempo todo enche o saco. Ou não? Por Orlando Silveira, em "Só duas gotinhas, doutor".
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VEJA ESSA: 
VELHOS E BONS TEMPOS

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Quem diria? O Velho Marinheiro trocaria tudo - a começar pela experiência -, sem pestanejar, pelas ereções dos trinta anos. Por Orlando Silveira.
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