terça-feira, 8 de dezembro de 2015

QUASE HISTÓRIAS (CXVIII)


“EDUCADOR” BARBOSA

O misto de carcereiro e diretor pedagógico do colégio do qual era sócio não teve dúvidas – como sempre, foi carcereiro. Chamou o professor novato, moço esforçado à caça de tostões, e foi direto ao assunto:

-- Professor, e agora? Como vamos sair da enrascada em que o senhor nos enfiou? Diga.

O professor, temeroso de perder o bico, não se fez de morto, estava morto:

-- O que fiz? – “Educador” Barbosa.

Aí de quem o chamasse de Barbosa, sem o “Educador” na frente.

-- Não me venha com cinismo. Sou vivido demais, pra suportar abusado. O senhor distribuiu zero, um, dois e três (a melhor nota), para todos. E agora? Como vamos fazer para passar todo mundo de semestre?

-- Eles não têm condição de passar. São malandros e analfabetos.

-- Professor, nossa escola, especializada em cursos supletivos, tem como lema o slogan daquela rede de lojas famosa: “Sua satisfação garantida ou seu dinheiro de volta.” Dê um trabalho pra eles. Não perca tempo com correção. A nota? A da precisão de cada um. Aqui, não devolvemos dinheiro, mas entregamos o combinado: diplomas. É simples assim. Vire-se. Só reprovamos os inadimplentes. Preciso desenhar?

***



Dublê de diretor pedagógico e carcereiro, “Educador” Barbosa (ai de quem não o chamasse assim), cultivava apreço especial pela uca. Também não desconsiderava os cigarros, que fumava sem descontinuar, alternando os de palha com os industrializados. Pagava pra ver até aonde fígado e pulmões iam. Pagamos caro pela aventura insana, porque o seguro saúde lhe deixou na mão. Morreu nos braços do SUS. Ou seja: a conta, como Sílvio Santos, foi coisa nossa.

Nosso “educador” era adepto ferrenho da disciplina.

Não se sabe até hoje se levava os conhecimentos pedagógicos que não tinha para o cárcere, mas ninguém tem dúvidas de que trazia a lei do cárcere para o colégio supletivo. Inferno. De quando em vez, baixava normas estranhas. E mandava espalhar cartazes pelos corredores, com as tais das normas estranhas, “carimbadas” com um sonoro “CUMPRA-SE”.

Ai de quem não as cumprisse. Ai de quem não colocasse o “Educador” antes do Barbosa. De “Educador” Barbosa, o jovem professor sempre o chamou. Mas ousou desrespeitar, num dia, o famigerado “CUMPRA-SE” – que proibia professor de dar início às aulas sem que todas as carteiras estivessem alinhadas, rigorosamente alinhadas.

Do nada, mas em estado natural – ou seja: tocado –, “Educador Barbosa” entrou na sala. E foi direto ao assunto:

-- Professor: o senhor não cumpre uma ordem minha. Olhe como estão as carteiras.

-- “Educador” Barbosa: ou dou aula, ou levo quarenta minutos esperando que eles cumpram sua determinação.

Baixou o espírito carcereiro.

“Educador” Barbosa levou a mão direita até o fim da espinha, sacou o revólver. Mirou os alunos, que, de imediato, puseram as carteiras em posição de sentinela.

-- Professor: veja como a vida é fácil. Basta querer. E olhe: só estou brincando. Se atirasse...

Para o bem do ensino, encerrava ali a carreira de um professor improvisado. (2013)


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