Quatro "Cobras" Que Resolveram Encantar-Nos De Modo Inebriante
Invertendo a clássica história do encantamento de serpente, eis um tipo de cobra que com sua sonoridade nos envolve
A prática do encantamento de cobras e serpentes é algo comum realizada por artistas de rua geralmente em países do continente asiático como Bangladesh, Índia, Malásia entre outros daquela região. Tudo consiste na utilização de um instrumento (geralmente de sopro) objetivando hipnotizar serpentes apenas tocando-o. Há quem afirme que o instrumento seduz o animal por seus movimentos e forma, e não pela música que emite. De qualquer modo, a relevância dessa breve explanação se dá apenas a título de introdução para que possamos chegar ao nome desse grupo formado por quatro figuras que vem contribuindo de modo substancial para manter a tradição da inerente qualidade que vem caracterizando a a história da música mineira ao longo dos últimos anos. Se o encanto sonoro hipnotiza ou não as serpentes é algo irrelevante, o que de fato importa é que esse quarteto acabou por, de modo inventivo, fazer jus ao nome que adotaram, uma vez que trata-se de figuras de extrema capacidade e talento, trazendo a partir de cada um dos integrantes, uma valiosa bagagem capaz de caracterizá-los com os mais relevantes adjetivos. São quatro "cobras" que denotam-se para além da gíria e transpassam qualquer sentido figurado. Nomes que alcançaram as suas respectivas relevâncias não apenas na cena musical mineira contemporânea mais que estão a fazer, cada um ao seu modo, reverberar suas artes para além de suas fronteiras e fugindo de qualquer regionalismo tornando-se universais e capazes de nos fazer apreender o mais genuíno sentido da frase "Sou do mundo, sou Minas Gerais", como foi dito na composição "Para Lennon e McCartney" dos irmãos Borges (Lô e Márcio) e Fernando Brant, precursores do Clube da Esquina (um dos movimentos musicais mais relevantes da história da música brasileira e que desde o seu surgimento foi capaz de fazer a música mineira alcançar patamares antes jamais alcançado.)
O quarteto Cobra Coral é formado por Flávio Henrique, Kadu Vianna, Mariana Nunes e Pedro Morais. Compositor, produtor e instrumentista autodidata Flávio hoje ocupa grande relevância no cenário musical mineiro onde mostra-se bastante atuante. São mais de 80 músicas gravadas em 07 álbuns autorais e um DVD, parcerias ao lado de nomes como Zeca Baleiro, Ronaldo Bastos, Fernando Brant, Telo Borges, Paulo César Pinheiro, Marcio Borges entre outros e intérpretes nomes como Milton Nascimento e Ney Matogrosso. Outro integrante é o bacharel em canto lírico Kadu Vianna que traz como característica do seu trabalho uma MPB imbuída de influências regidas por gêneros como o jazz e o rock que acaba dando à sua sonoridade passe livre para transitar naquilo que melhor convém para o exercício de sua arte como é possível observar nos três registros fonográficos do cantor, instrumentista, produtor e compositor nascido na cidade mineira de Nova Lima que contaram com a adesão de nomes como Carlos Malta, Marina Machado, Carlinhos Brown, Jaques Morelenbaum entre outros. Já a cantora Mariana Nunes conta com uma longa, coesa e sólida trajetória musical onde se é possível atestar tanto em projetos solo como "A Luz É Como A Água" ou através de outros em parceria tal qual o álbum "Abra-palavra", realizado em duo com o músico Vítor Santana. Com uma técnica que acentua e destaca o seu límpido e cristalino canto Mariana demostra ser, através do seu raro timbre, uma grata surpresa para quem a escuta. O último nome deste grupo vocal vem a ser Pedro Morais, artista apontado pela crítica como um dos melhores intérpretes mineiros da atualidade. É como bem foi dito: são quatro exímios talentos com histórias que apesar de distintas são capazes de manter uma unidade coerente quando somadas.
A sonoridade do disco fica toda a cargo do quarteto Cobra Coral nas doze faixas que compõe este debute fonográfico de título homônimo ao grupo. Entre as gravações presentes no projeto, há releituras de autores como Caetano Veloso que assina as canções "Gatas extraordinárias" e "Cobra coral" (esta em parceria com Waly Salomão) e a dupla Fernando Brant e Milton Nascimento, que assinam "Milagre dos peixes" e "Encontros e despedidas". O disco ainda conta com o registro de "Capullito de Alelí", composição do porto-riquenho Rafael Hernández Marín que tem entre seus famosos intérpretes o americano Nat King Cole. O álbum ainda conta com faixas autorais como as sentimentais "Faísca na medula" (composição de Kadu Viana em parceria com Murilo Antunes) e "Sob o Sol" (escrita a quatro mãos por Flávio Henrique e Pedro Morais). Flávio também assina "Casa aberta" (parceria com Chico Amaral) e "Sim" (composta com Murilo Antunes). O disco que ainda conta com duas composições do trio Pedro Morais, Kadu Viana e Magno Mello: "Qualquer palavra" e "E o que for, já é", traz todo o bairrismo do grupo a partir de "Em linhas gerais", escrita por todo o quarteto.
São quatro elementos que fogem do tradicional conceito da água, da terra, do fogo e do ar; quatro elementos que deixam de ser substantivos para se fazer reverberar de modo afinados, entrosados, inventivos e uníssono a cada espetáculo ou a cada audição deste projeto lançado. São quatro estórias capazes de comprovar que a música brasileira não faz-se cíclica, apesar de saber-se que há uma fonte inesgotável se olharmos para trás. Entre conceitos e canções o Cobra Coral destaca-se sobremaneira como um dos mais expressivos exponentes da música mineira contemporânea. E isso é possível atestar-se a partir da afirmação de conceituados conterrâneos desses talentosos artistas como é o caso do cantor e compositor João Bosco, que teve a oportunidade de ouvir o grupo vocal no dia em que iriam dividir o palco do Palácio das Artes e desde então se viu arrebatado. O autor de "Jade" chegou a afirmar que o veneno sonoro do quarteto faz-se algo indefensável ao se ter contato. Sendo assim, se um nome da envergadura sonora de Bosco os definem desse modo, não há mais o que se questionar ou ir ao encontro de qualquer soro antiofídico. É deixar-nos que a envenenada sonoridade do quarteto adentre ouvido afora de modo expansivo, se possível de modo pandêmico, para que a todos também não haja a menor possibilidade de fuga.
Fica aqui para os amigos duas canções presentes no álbum de estreia do quarteto. A primeira trata-se da faixa que dá nome ao grupo. "Cobra coral" é uma composição de Caetano Veloso:
Já a segunda composição trata-se da clássica "Encontros e despedidas", composta por Fernando Brant e Milton Nascimento:
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