O CANDIDATO
TRAPALHÃO
Depois de muitas idas e vindas, apreensões, repreensões e ajustes os
mais diversos, finalmente, Araújo aprovou o texto elaborado por Osvaldinho, seu
fiel escudeiro, principal assessor de campanha, dublê de motorista e
marqueteiro. E ordenou à secretária que o material fosse enviado ao maior
número possível de pequenos, médios e grandes empresários. Com urgência.
Afinal, até ele, candidato de primeira viagem – tolo metido a esperto –, sabe
que não se faz campanha sem dinheiro. Sua ordem foi cumprida à risca.
Eis o texto aprovado pelo candidato trapalhão:
Nobre empresário:
Venho por meio
dessas mal traçadas linhas me colocar, desde já, à sua disposição. Ainda não
cheguei lá, mas estou esperançoso, animado mesmo. Mas, para chegar lá, preciso
de recursos. Ou seja: de sua ajuda financeira. Não ponho preço, claro. Cada um
contribui como pode. Por isso, gostaria de conversar com Vossa Excelência. Vou
até sua empresa, se preciso.
Tenha certeza de
que Deus lhe dará em dobro – e eu, ao longo do mandato, muitas vezes mais do
que o recebido de Vossa Senhoria. A causa me parece justa, até porque, eleito,
pretendo transformar meu gabinete e escritório político em usinas de bons
negócios para todos os que participarem dessa empreitada, sem descuidar, jamais
dos legítimos interesses de nosso povo sofrido, razão primeira de minha
candidatura.
Certo de seu apoio
e grato pela atenção, aguardo ansioso seu retorno.
Receba meu abraço.
Até a vitória!
ARAÚJO PINTO E SILVA
O SEU CANDIDATO
***
-- Estou decepcionado, muito decepcionado mesmo, com nossos homens de
negócios, Osvaldinho. Há dez dias lhes mandamos aquela correspondência e até
agora nenhum retorno. Não querem colaborar com um candidato que lhes prometeu
abrir as portas de seu gabinete, para que juntos nós montássemos uma usina de
bons negócios. Que diabos! Não acreditam em quem lhes fala a verdade, mas
contribuem financeiramente com quem faz promessas vagas sobre saúde, educação e
outras obviedades. Francamente!
Araújo Pinto e Silva, candidato de primeira viagem, porém, não é
homem que desiste com facilidade. Quer porque quer se eleger, para enricar. Mas
sabe que, sem dinheiro, não se chega lá. Por isso, gasta seu tempo elaborando
estratégias para arrecadar uns trocos. Questão de sobrevivência futura – e
presente também. É um pronto.
Depois de muito pensar, pensar, ele revela o novo plano para
Osvaldinho, seu homem de confiança, dublê de motorista e marqueteiro, muro de
arrimo de sua candidatura mambembe:
-- Vamos enviar uma nova correspondência, agora apenas para
empresários de grande porte. Os parlamentares têm uma cota. Durante o mandato
podem distribuir títulos de “cidadão da cidade” e medalhas a quem contribuiu
para seu desenvolvimento. Coisas que dão status. Os que contribuírem com
recursos serão homenageados. Evidente que será dada preferência aos que derem
mais dinheiro para a campanha, desde que se comprometam também a pagar no
futuro o coquetel da festa. Providencie o texto, não temos tempo a perder.
***
Ante a absoluta falta de recursos, apesar de todas tentativas de
conquistar o apoio dos empreendedores, Araújo – o candidato trapalhão –
resolveu investir no corpo a corpo. Visitava feiras, plantava-se na porta de
igrejas em horário de missa, estendia a mão direita a todos que por ele
cruzavam, dava tapinhas nas costas de manequim de loja, abraçava postes,
comprometia-se com qualquer causa, por mais estapafúrdia que fosse...
Incansável, ficava no ar 18 horas por dia, muitas vezes só na base
da água de torneira e do cafezinho gratuito. Sempre tem uma alma boa.
Até que Osvaldinho – que já não era mais dublê de motorista e
marqueteiro, pela triste razão de que acabara o dinheiro para abastecer o fusca
– teve uma idéia:
-- Araújo, nós vamos mudar a estratégia, já fizemos muito corpo a
corpo, agora será olhos nos olhos: você vai dar palestras para um público mais
qualificado. Consegui a primeira. Será amanhã, para alunos de Direito daquela
faculdade do bairro. Prepare-se, faça a barba, tome banho bem tomado, descanse
durante o dia, para não chegar lá com essa cara amarrotada. Vai falar sobre suas
propostas.
Assim foi feito.
Para a distinta platéia, Araújo prometeu lutar sem tréguas por isso
e aquilo, não se intimidou ante os que lhe diziam que aquelas não eram
prerrogativas de vereador. Respondia convicto: “Tem de ter – meu caro – vontade
política”. O caldo entornou de vez quando fez aquela que, a seu ver, seria a
declaração mais impactante:
-- Seja quem for o prefeito, estarei sempre ao seu lado, porque quem
está na oposição nada faz, nada leva. Nem para si, nem para os outros. Serei
sempre situação. Doa a quem doer.
Saiu sob vaias e xingamentos. Até hoje, não entendeu o motivo.
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