PAPAI NOEL DE SACO CHEIO
(Por Otávio Nunes) Prezado
Papai Noel Maior, chefe de todos os papais noéis do mundo, morador perpétuo da
distante e gélida Lapônia, desculpe-me por ocupar parte de seu tempo, cada vez
mais exíguo, principalmente às portas do Natal. Quem escreve à sua magnânima
pessoa é o seu subalterno, o Papai Noel do Brasil. A intenção dessa indignada e
maldigitada missiva é pedir, com todo respeito, minha aposentadoria. Poderia
continuar na ativa por mais anos, porém me desiludi da minha missão nesse país.
E papai noel descrente não exerce direito sua função. É mais honesto parar de
vez.
Aceito,
se possível for, uma transferência, mas para um local melhor. Poderia ser, por
exemplo, a um país próximo de onde o senhor mora, um desses da Escandinávia,
onde terei mais tranquilidade, desfrutarei dos meus impostos e serei tratado
como gente, como cidadão. Será possível, até, estacionar meu trenó na rua com a
certeza de encontrá-lo novamente quando voltar.
Darei
minhas razões para me afastar de tão nobre e altruísta função, para a qual o
senhor me escolheu e sempre cumpri com esmero, apesar das contrariedades
impostas por essa nação ingrata a seus filhos. Ou será o contrário? Não sei.
Espero que meus motivos sejam acatados por sua extrema benevolência e
tolerância.
De
alguns anos para cá, tratam-me como imbecil. Cheguei ao ponto de achar que
realmente sou um. Tudo que acontece nesse país derruba minha autoestima, Natal
após Natal. Imagine o Senhor um pé de tomate em que alguém substitui o fruto
mais viçoso por uma bola de bilhar. Pois é, sinto-me assim: derrubado, rente ao
chão, como esse tomateiro.
Otávio Nunes é jornalista |
Quando
ando pelas ruas das cidades brasileiras presencio cenas dantescas, como hordas
de crianças que me pedem o que jamais poderei lhes dar. Tem ainda os gerentes
de shopping center que me convidam para distribuir balinhas em frentes às
lojas, pessoas que pedem para eu sorrir (oh, oh,oh!) só para tirar fotos ou rir
de mim e, o pior de tudo, adultos que olham para mim e dizem ao filho: “Papai
Noel não existe, moleque. Sou eu quem compra seus presentes, não este barbudo
panaca aí vestido de vermelho”.
Voar
com meu trenó também ficou complicado por causa do caótico tráfego aéreo
brasileiro, sem contar os urubus, prédios enormes, erguidos em lugares
inconvenientes, poluição do ar. Tudo isso atrapalha a mim e às minhas renas,
que já estão neuróticas, sem sentido de localização e asmáticas. Como nesse
país não há chaminés nas casas, e as que têm não precisam de meus presentes,
sou obrigado a encontrar outras formas de entrar nas residências. Já quebrei
telha, furei caixa-dágua, pisei em cocô de pombo e até fui confundido com
ladrão.
Também
já ocorreu o contrário. Fui assaltado diversas vezes. Foi difícil para eu
provar ao ladrão que não tenho conta em banco. Ele olhou para meus presentes e
pensou que eu era um próspero comerciante de loja de R$ 1,99. Meu Papai Noel
Maior, é muita humilhação. Mas o larápio tinha razão. Meus brinquedos são todos
made in China, mesmo. Porém, a maior degradação por que passo nas ruas é a
pergunta malévola dos brasileiros: “Seu saco é de brinquedo?”
Até
mesmo a capital do país, que sempre achei uma ilha de civilização no mar da
barbárie, já não é mais a mesma. Se passo pelas quadras planas de Brasília,
principalmente perto do Congresso Nacional, sou obrigado a proteger minha
carteira. Certa feita fui até confundido com determinado senador e tive de
correr para não ser linchado. Os manifestantes não acreditaram na minha versão.
Acharam que minha roupa era disfarce para andar na multidão sem ser
reconhecido.
No
Rio de Janeiro, onde sempre gostei de circundar o Cristo Redentor com meu
trenó, é quase impossível perambular em paz. Há alguns anos minha preocupação
era ver crianças perdidas nas calçadas de Copacabana. Hoje, quem não tem
destino são as balas.
Bem
meu indulgente Papai Noel Maior, Rei da Lapônia e protetor dos desafortunados
desse mundo, tudo que relatei ao senhor é a mais pura verdade, extraída das
profundezas abissais de minha alma. Perdão pela frase chula: ESTOU DE SACO
CHEIO!!
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