sexta-feira, 2 de março de 2018

UMA SABATINA COM O VELHO MARINHEIRO

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Albatroz - Foto: arquivo Google
A notícia caiu feito bomba no colo do Velho Marinheiro: o jornal semestral da associação dos Lobos do Mar, voltado aos reformados da Marinha, queria uma entrevista exclusiva com ele, com direito a foto e tudo mais. Só que ela teria que ser feita por e-mail. Falta de repórteres. E a foto teria que ser enviada pelo entrevistado. Falta de fotógrafos. Sem problemas. Irene, a neta predileta, imprimiria as perguntas e enviaria as respostas pelo computador. E contrataria os préstimos de Sebastião Doce, o retratista do bairro.

Munido de café forte e cigarros, o Velho Marinheiro se trancou no escritório no fundo da casa. Passou a madrugada esboçando respostas para a crise das Forças Armadas, para a degradação moral das instituições e para tudo o mais que lhe parecia relevante. Quando as perguntas chegaram, uma estaca de decepção lhe varou o peito. Era o questionário Proust – brincadeira de salão, popular na Europa do século XVIII. Achou aquilo coisa de boiola. Mas não passou recibo. Ao questionário e suas respostas:

Qual é sua maior qualidade? “Sinceridade.”

E seu maior defeito? “Sinceridade. Quase sempre é melhor ficar calado. Não consigo.”

A característica mais importante em um homem?  “Caráter”.

E em uma mulher? “Caráter”.

O que você mais aprecia nos seus amigos? “Lealdade”.

Sua atividade favorita é… “Observar. E rir da ignorância humana”.

Qual é sua ideia de felicidade? “Ter a consciência tranquila”.

E o que seria a maior das tragédias? “Perder a coragem de enfrentar as adversidades que a vida nos apresenta”.

Quem você gostaria de ser, se não fosse você mesmo? “Ninguém. Não me vejo na pele de outro”.

E onde gostaria de viver? “Aqui”.

Qual sua cor favorita? “Azul”.

Uma flor? “Mafalda, minha mulher”.

Um pássaro? “Albatroz”.

Seus autores preferidos? “Machado, Graciliano”.

E os poetas de que mais gosta? “Bandeira, Quintana, de todos que me botam comovido. Tarefa difícil”.

Quem são seus heróis de ficção? “Não tenho”.

Quem são suas heroínas? “Não tenho”.

Seu compositor favorito é… “São tantos. Não vou correr o risco de me esquecer de alguém”.

E os pintores que você mais curte? “Se for de parede, sei que não é, é Genésio. De tela, não entendo nada”.

Quem são suas heroínas na vida real? “Não tenho”.

E quem são seus heróis? “Não tenho também. Quem precisa de herói é basbaque”.

Qual é sua palavra favorita? “Trabalho”.

O que você mais detesta? “Gente fingida. É o que mais tem”.

Quais são os personagens históricos que você mais despreza? “Todos os opressores”.

Quais dons da natureza que você gostaria de possuir? “Nenhum. Meus erros e acertos me bastam”.

Como você gostaria de morrer? “Com Mafalda ao meu lado”.

Qual seu atual estado de espírito? “Bom. O de quem sabe que errou, errou muito, mas que nunca sacaneou ninguém de propósito. O de quem não tem pressa pra morrer.”

Que defeito é mais fácil perdoar? “O que não me afeta”.

Qual é o lema da sua vida? “Navegar é preciso”. 

( 2013 - atualizado em fevereiro/2018)


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