Joaquim Nabuco (1849 - 1910) |
O
TENENTISMO QUER VOLTAR
Estamento
militar quer se recolocar na política.
Tenta
construir projeto intervencionista.
Mas
não sabe de onde partir
Por
Marco Antonio Villa
O
Globo – 13/03/2018
Em outubro de 1891, Joaquim Nabuco, em carta
enviada ao amigo Aníbal Falcão, escreveu: “Já lhe respondi que se quisesse
entrar novamente em política, primeiro assentaria praça (é um pouco tarde, não
lhe parece?) por estar certo de que o melhor governo que a República pudesse
dar ao país seria incapaz de receber direção que não partisse dos próprios
quartéis. Vocês, republicanos, substituíram a monarquia pelo militarismo
sabendo o que faziam, e estão convencidos de que a mudança foi um bem. Eu […]
pensei sempre que seria mais fácil embarcar uma família do que licenciar um
exército.”
Até 1889, os militares tinham papel pouco
relevante na cena nacional. O militarismo era um mal platino. A sucessão de
golpes de Estado, típica da região, era inexistente no Brasil. No Segundo
Reinado (1840-1889), a maioria dos ministros do Exército e da Marinha foi
civil. As atribuições das Forças Armadas estavam determinadas nos artigos 145 a
150 da Constituição. A obediência ao Poder Executivo era clara: “a força
militar é essencialmente obediente; jamais se poderá reunir sem que lhe seja
ordenado pela autoridade legítima.” (artigo 147)
As Forças Armadas foram arrastadas à política,
agindo corporativamente, quando da Questão Militar. Os liberais foram os
principais agentes naquele processo. Estimularam a desobediência castrense
acreditando que, dessa forma, enfraqueceriam seus adversários, os
conservadores. Ironicamente, em novembro de 1889, foram derrubados — e com
eles, a monarquia — por um golpe militar.
A entrada dos militares na política foi
nociva ao país e às Forças Armadas. Na maioria dos estados — antigas províncias
— a República foi proclamada pelas guarnições militares. O entusiasmo pela
política foi tão grande que para a Assembleia Constituinte, escolhida em
setembro de 1890, foram eleitos 54 constituintes militares: 40 deputados e 14
senadores. Desde então, tiveram papel permanente na política, participando
ativamente dos embates eleitorais e agindo como uma corporação que estaria
acima das instituições, como uma espécie de reserva moral da nação, um caricato
Poder Moderador.
Nos anos 1920, o militarismo renasceu como
elemento renovador da política. O tenentismo serviu como receptáculo reunindo a
insatisfação militar da jovem oficialidade com os rumos do país. Tinha apoio
civil. Mas, na sua essência, desprezavam a política e os “casacas”, forma
depreciativa como se referiam à elite dirigente. O salvacionismo levou às rebeliões
de 1922, 1924 e à Coluna Prestes. E, em 1930, chegou ao poder sob direção —
ironia da história — de um civil. Tomaram e expandiram o aparelho de Estado.
Determinaram os rumos do país tanto nos momentos democráticos, como nos
autoritários. Basta recordar que durante o populismo (1945-1964), nas quatro
eleições presidenciais, sempre houve candidatos militares. Mesmo assim — ou
apesar disso — estiveram presentes nas conspirações e golpes ocorridos no
período, como na pressão contra a posse de Getúlio Vargas, em 1951, na crise de
agosto de 1954, nos dois golpes de Estado de novembro de 1955, nas revoltas de
Jacareacanga e Aragarças no governo Juscelino Kubitschek, na crise da renúncia
de Jânio Quadros, em agosto de 1961, e, finalmente na derrubada de João
Goulart, em abril de 1964.
Marco Antonio Villa é historiador Foto: Jovem Pan/Divulgação |
De 1964 a 1985, o militarismo nunca foi tão
dominante. Determinou o rumo do país, inclusive do processo de transição para o
regime civil. Centenas de militares ocuparam postos na estrutura estatal. As
polêmicas castrenses ocuparam o espaço da política. Tudo era definido de acordo
com os interesses das Forças Armadas. Os cidadãos eram meros espectadores, pois
havia brasileiros mais iguais que outros. Isto foi absolutamente nocivo ao
aperfeiçoamento profissional das três armas e — por mais paradoxal que seja — à
segurança nacional, tão propalada pelos generais-presidentes.
Os governos civis não conseguiram colocar os
militares nas funções constitucionais e muito menos elaborar uma doutrina que
definisse claramente o papel das Forças Armadas. Também — forçoso reconhecer —
as lideranças castrenses não souberam produzir propostas que pudessem ser
debatidas pela sociedade destacando, por exemplo, a importância de um país com
as dimensões do Brasil ter um orçamento militar adequado. Ficaram na defensiva
tentando legitimar os atos dos anos 1964-1985. Perderam tempo. Este não era o
principal embate. Optaram pelo discurso, ao invés da ação.
Agora, ainda sem clareza do que fazer, o
estamento militar quer se recolocar na política. Tenta construir um projeto
intervencionista. Não sabe de onde partir, nem como fazer. Buscar no
guarda-roupa da história a roupagem tenentista vai transformar a ação das
Forças Armadas numa comédia pastelão. As sucessivas declarações políticas de
altos oficiais violam o regulamento disciplinar das três forças. E não passam
de respostas desesperadas, símbolos da esterilidade corporativa.
Pior será se os militares forem seduzidos
pelas novas vivandeiras que rondam os quartéis. São os oportunistas de sempre.
Para as Forças Armadas, quanto mais distantes da política partidária, melhor.
Mais ainda do atual processo eleitoral para a Presidência da República.
Desenterrar o modelo do soldado-cidadão, que serviu para justificar o golpe
militar republicano e as diversas intervenções ao longo do século XX, conduzirá
o país e as Forças Armadas a uma grave crise política e institucional. A
advertência de Joaquim Nabuco está de pé. Não foi ouvida em 1889. Espero que
seja ouvida agora.
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