FHC: de volta ao passado Foto: Arquivo Google |
O “OPERÁRIO”
DE FHC
Fernando
Henrique redescobre um Lula que nunca existiu
Por
J.R. Guzzo
https://veja.abril.com.br/blog/fatos
08/03/2018
– 16h
O Lula que o ex-presidente Fernando Henrique
deu para elogiar de uns tempos para cá é um homem imaginário. Até agora ninguém
parece ter entendido direito o que ele está querendo dizer com essa súbita
descoberta de virtudes no personagem que até outro dia, pelo menos em público,
o tratava como o político mais desprezível do Brasil. Lula, na verdade, passou
anos a fio cuspindo em Fernando Henrique. Jamais admitiu que o seu antecessor
na presidência da República tivesse tido o menor mérito em nada do que fez durante
os oito anos em que esteve no governo. Ao contrário: inventou a mentira de que
tinha recebido dele uma “herança maldita”, responsável por tudo que havia de
errado no Brasil. Dirigiu-lhe ofensas pesadas. Tratou-o sempre com rancor,
despeito e inveja. Mais que tudo, Lula agiu no Palácio do Planalto de maneira
oposta às ideias gerais de Fernando Henrique. Agora, sem que se saiba por que,
tornou-se um líder político exemplar na opinião do adversário de sempre. Mudou
Lula ou mudou FHC? Lula, com certeza não mudou nada ─ ou melhor, mudou para
muito pior do que jamais foi em toda a sua carreira. Quem mudou, então, foi
FHC. É melancólico. Mas a vida tem dessas coisas ─ como mostra tão bem a
experiência, o cérebro humano não é necessariamente um lugar coerente.
Na falta de uma explicação capaz de fazer
algum nexo, o que se pode imaginar, com base no “Manual de Psicologia Para
Amadores”, é que Fernando Henrique está de volta aos seus sonhos de 40 anos
atrás. Lembram-se dele? Era, então, o retrato acabado do intelectual de
esquerda brasileiro enquanto jovem ─ ou, se preferirem, mais ou menos jovem.
Trazia na alma e na mente as fantasias clássicas do socialista de Terceiro
Mundo, armado de leituras europeias e à procura de um regime que até hoje só
existiu na imaginação das salas de aula da universidade: o “socialismo com
liberdade”. Ou, então, uma nova “ditadura do proletariado”, que viesse só com
proletariado e sem ditadura. Na São Bernardo do final dos anos 70, FHC e seus
pares se deslumbravam com a possibilidade de ver um operário de carne e osso,
ou pelo menos um líder sindical, virar uma força política de verdade. Até
então, como tantos dos intelectuais brasileiros, talvez nunca tivesse visto um
operário ao vivo e a cores. De repente, não só vê, mas descobre que um “homem
do povo” como Lula pode crescer num sistema de liberdades, com eleições,
direitos individuais, separação de poderes, etc. Bom demais, não é mesmo?
Encantada, a classe intelectual da época “pirou”, como se diz.
Depois, na vida real, Fernando Henrique
esqueceu por completo a figura da fábula ─ ao constatar que Lula, o herói das
massas populares que iria fazer a “passagem pacifica para o socialismo”, era
apenas uma invenção. Pior do que um simples equívoco, Lula era uma
falsificação, como ficou comprovado assim que passou a mandar. Junto com o PT,
transformou o seu governo, e o da sucessora que inventou, numa caçamba de lixo
a serviço de empreiteiras de obras públicas, fornecedores da Petrobras e outros
marginais hoje na cadeia, réus confessos e condenados por corrupção em massa.
Onde acabou caindo o líder operário? Foi apenas mais uma quimera desfeita ─ só
isso.
No percurso entre São Bernardo e a 13ª. Vara
Criminal de Curitiba rolou uma vida inteira. Lula e FHC passaram a ser inimigos
─ os mais extremados da política brasileira moderna. Agora, aos 87 anos de
idade, Fernando Henrique faz um salto espetacular rumo ao passado ─ e passa a
orar para um herói que nunca existiu, nem na época e muito menos agora.
Justamente agora, aliás, Lula está no seu ponto mais baixo ─ condenado como
ladrão em três instâncias, por nove magistrados diferentes, abandonado pelas
“massas” e necessitado de um golpe no Supremo Tribunal Federal para não acabar
na cadeia. O ex-presidente, ex-sonhador e ex-inimigo migrou para o seu lado, é
verdade, mas nenhum dos dois parece ter grande coisa a ganhar com isso. Se Lula
se livrar da penitenciária, ninguém do PT e da “esquerda”, e muito menos o
próprio Lula, vai dizer uma única palavra de agradecimento a FHC. Se não se
livrar, o seu apoio não terá servido para coisa nenhuma. Esse mundo é mesmo
injusto.
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