2013,
UM ANO PARA A MÚSICA
PERNAMBUCANA ESQUECER
Bruno Negromonte |
A música pernambucana como um
todo ficou substancialmente mais pobre ao longo do ano de 2013. Ela perdeu
nomes que contribuíram de modo bastante efetivo nas últimas décadas para elevar
o nome e a cultura do estado para o patamar que hoje é possível observá-la nos
mais diversos gêneros que a constitui. No entanto, um gênero em especial, foi o
que mais sentiu a perda de nomes emblemáticos em seu segmento: o forró.
Partiram nomes como Julio Nunes
Pereira, ou melhor, Duda da Passira. Natural de Passira, no Agreste de
Pernambuco, o instrumentista começou a carreira tocando forró pé-de-serra. Com
seis discos e mais de dez CDs gravados, em 1991 foi indicado ao Grammy
internacional na categoria música regional e veio a sucumbir devido a uma
hemorragia digestiva que talvez tenha se agravado devido a diabetes a qual o
músico também sofria; Outro que também partiu ao longo deste ano foi o cantor e
compositor João Silva. Autor de mais de 2000 composições e inúmeros clássicos
interpretados por nomes como Luiz Gonzaga e quase todos os cantores e
intérpretes do gênero, João deixa-nos como legado canções como 'Nem se despediu
de mim', 'Pagode Russo', 'Deixa a tanga voar' entre tantas outras com os
parceiros mais diversos tais quais João do Vale, Onildo Almeida, Rosil Cavalcante,
Severino Ramos, Bastinho Calixto, Pedro Maranguape e Pedro Cruz. Nascido em
Arcoverde, a 259 quilômetros do Recife, João Leocádio da Silva, o João Silva,
foi também um dos responsáveis direto do primeiro disco de ouro de Luiz
Gonzaga, o álbum 'Danado de bom', que vendeu cerca de 1,6 milhão de cópias
vendidas.
Outras lacunas deixadas ao longo
deste ano foram ocasionadas pela partida de dois ases da sanfona. De um lado
Arlindo dos oito baixos, considerado Patrimônio Vivo de Pernambuco. Nascido em
Sirinhaém, Arlindo morou até a adolescência no Engenho Trapiche. Saiu da
cana-de-açúcar para cortar cabelos no Cabo de Santo Agostinho. Foi lá que
começou a tocar sanfona em bailes, instrumento que aprendeu vendo o pai tocar
os Oito Baixos. Foi em um show no Parque de Exposição do Cordeiro que Arlindo
conheceu Luiz Gonzaga. Passou 22 anos tocando com o Rei do Baião. "Ele que
me fez voltar aos oito baixos. Disse que já tinha sanfoneiro demais, mas
ninguém tocava oito baixos. Gravei e na hora de assinar os créditos ele pediu
pra trocar Arlindo do Acordeom por Arlindo dos 8 Baixos", lembrou, em
entrevista pouco antes de morrer. Em mais de 50 anos de carreira, Arlindo
gravou mais de 200 músicas, a maioria instrumental. O outro expressivo nome foi
Dominguinhos, parceiro e discípulo do maior nome do gênero ao qual tão
bravamente defendeu: Luiz Gonzaga. Dominguinhos foi um dos responsáveis não só
pela urbanização do forró mais também por manter viva a chama do ritmo em todo
o país depois da morte do Rei do Baião. Dominguinhos partiu aos 72 anos, no
Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo depois de lutar por cerca de seis anos
contra um câncer de pulmão. Nascido em Garanhuns, no agreste de Pernambuco, o
sanfoneiro conheceu Luiz Gonzaga com 8 anos. Aos 13 anos, morando no Rio, ganhou
a primeira sanfona do Rei do Baião, que três anos mais tarde o consagrou como
herdeiro artístico. “Gonzaga estava divulgando para a imprensa o disco 'Forró
no Escuro' quando ele me apresentou como seu herdeiro artístico aos
repórteres”, lembrava Dominguinhos sempre que questionado sobre o assunto.
Instrumentista, cantor e compositor, o artista ganhou em 2002 o Grammy Latino
com o “CD Chegando de Mansinho”. Ao longo da carreira, fez parcerias de sucesso
com músicos como Gilberto Gil, Chico Buarque, Anastácia, Nando Cordel, Fausto
Nilo e Djavan.
Já o frevo perdeu Carlos Fernando
vítima de complicações causadas por um câncer de próstata. Natural de Caruaru,
o pernambucano foi um dos responsáveis pela renovação do frevo não só em
Pernambuco, mas em todo o país através do projeto "Asas da América" e
a série de discos lançados até meados da década de 1990. Ainda na mesma década
foi responsável pela série Recife Frevoé e nos anos de 2000 foi o produto do
álbum "100 Anos de frevo - É de perder o sapato", em homenagem ao
centenário do ritmo. Carlos, ao lado de outros artistas pernambucanos, também
participou do Movimento de Cultura Popular de Pernambuco - um dos focos da
resistência ao governo militar no estado - ainda na década de 60 e foi autor,
entre diversas composições, de "Banho de Cheiro", eternizada na voz
de Elba Ramalho; "Canta Coração", eternizada por seu parceiro e amigo
Geraldo Azevedo. No currículo, o pernambucano deixa como legado centenas de
canções (boa parte com Geraldo Azevedo) e intérpretes como Caetano Veloso,
Djavan, Chico Buarque, Jackson do Pandeiro e Gilberto Gil.
Não poderia também deixar em
branco o infortúnio que vitimou de modo precoce a produtora japonesa Sanae
Shibata, de 31 anos. Sanae, que morava no Recife há 10 anos e trabalhava como
produtora musical, com trabalhos diversos ligados à valorização da música
pernambucana, foi vítima de um atropelamento de moto.
Nascida em Tóquio, e formada em
Comunicação Social pela Universidade em Tóquio, estudou cultura nordestina na
Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), onde também participou do Programa
de Pós-Graduação em Antropologia. "Desde 2004 trabalho como produtora
cultural, na acessoria entre produtores japoneses e artistas nordestinas",
dizia seu perfil no portal Nação Cultural. A produtora fazia a ponte entre
Pernambuco e Japão, levando discos do Estado para a Terra dos "olhos
puxados" e desde 2007, Shibata trabalhava com patrimônio imaterial, como
pesquisadora de campo para levantamentos pelo Iphan, explorando "Formas de
expressão de Pernambuco e Cocos do Nordeste". A produtora aprendeu a tocar
e fabricar a rabeca, instrumento típico do Cavalo Marinho nordestino, na escola
de luthieria em Ferreiros, na Zona da Mata Pernambucana.
Por fim, a menos de uma semana,
perdemos um dos maiores expoentes do ritmo "brega" que foi Reginaldo
Rossi. Com quase 50 anos de carreira Rossi soube como poucos expor as dores e
lamentos dos traídos nos 31 discos que lançou. Deixa como legado a irreverência
e a imagem peculiar acompanhado por sua cabeleira e seus óculos.
Se de um lado as coisas são
desfavoráveis, por outro este ano foram lançados, até agora, entre CDs, DVDs,
LPs e EPs, mais de 180 títulos de artistas pernambucanos e a Passa Disco,
trincheira de resistência da cultura do estado, chegou a uma década de
existência valorizando de modo cada vez mais constante a cultura de Pernambuco.
JORGE MACEDO escreveu : Brilhante retrospectiva, embora sendo de um ano de tristeza para a cultura nordestina, em especial, a pernambucana, redigida de maneira magistral por um dos mais jovens e promissores talento, um verdadeiro salvaguarda da história de nossa música popular brasileira.
ResponderExcluirParabéns ao Pesquisador Bruno Negromonte!