Ilustração: Arquivo Google |
Os tempos mudaram – e muito. A sexta-feira
da Paixão está aí para confirmar o que acabo de escrever. Se eles mudaram pra
pior, se mudaram pra melhor, é algo sobre o qual cada um tem sua opinião. Sou
de um tempo em que, naquele dia “santo”, ninguém tirava pó dos móveis, ligar
rádio era pecado capital, poucos tomavam banho. Uma tia minha se gabava de
dizer que, na véspera do sábado de Aleluia, só aguava – quando muito e se tanto
– as “partes principais”. É verdade que ela nunca nos explicitou quais seriam
tais partes. Mas, para bom entendedor, pingo é letra. Não é preciso desenhar.
Minha avó, por exemplo, implicava com seu
Osvaldo, um vizinho nosso. Homem de nenhuma palavra, ele passava a sexta-feira
da Paixão cantarolando, carpindo o terreno ou batendo laje. Trabalhava com
vigor jamais visto em outros dias do ano. Mais: parecia trabalhar com alegria,
apesar das orelhas quentes pelas imprecações de minha avó: “Um diabo desses vai
arder no inferno”. Hoje, acho que, sem querer, ela pecava mais que ele, por
conta de seus impropérios.
O coitado do Zé Pedro, outro vizinho, colega
de peladas, fez a besteira de dizer à família que havia comido não me recordo onde
um croquete de carne. Foi submetido a uma terapia intensiva de purificação. Não
me recordo os ingredientes da beberagem. Só sei que era uma mistura de óleo de
rícino (em doses cavalares), boldo do Chile e sal amargo. O que o impediu de, no sábado, malhar o
Judas e de saborear os ovos de Páscoa, no domingo. Passou a segunda tomando
soro caseiro. Estava desidratado, mas purificado.
Hoje, como sabemos, o consumo de carne há muito está
oficialmente liberado pela Igreja Católica, o óleo de rícino já não é usado com tanta frequência,
quem trabalha não é amaldiçoado, quem lava além das partes principais também
não. O que é bom. Mas é preciso ligar o som do carro no último volume e
promover um "pancadão" em plena sexta da Paixão?
(OS – ABRIL DE
2013, ATUALIZADO EM ABRIL DE 2019)
JÁ QUE O ASSUNTO É PÁSCOA,
LEIA TAMBÉM O TEXTO ABAIXO
Atire a primeira colomba quem já não se viu na constrangedora situação de presentear um parente ou amigo com uma colomba e receber – de volta e de pronto – outra colomba?
Por Orlando Silveira
https://orlandosilveira1956.blogspot.com/2016/03/coelhinho-da-pascoa-o-que-trazes-pra-mim.html#comment-form
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