quarta-feira, 3 de abril de 2019

MEMÓRIAS DO PARKINSON (II)

Close Up Of Senior Man Suffering With Parkinsons Diesease : Foto de stock


Ninguém conseguia entender aquele desassossego diuturno do pai. Justo ele, sempre sereno, quase monge. Não tinha boca para reclamar de nada. Aposentado, passava horas e horas lendo seus inúmeros livros. Quem se irritava era a mãe, que gostava mesmo de conversar. Ela dizia que não tinha companhia, que aquilo não era vida, coisas do tipo.

O pai, para surpresa de todos, foi-se transformando num homem irritadiço. Passou a reclamar de tudo: do sofá da sala, do colchão, das cadeiras da cozinha. No apartamento da praia, era a mesma coisa. Queria trocar todos os móveis, algo descabido. Tudo e creio que todos também lhe aborreciam. Já não tinha a mesma paciência para com os livros.

O médico da família não dera conta do recado. Gastou-se uma fortuna com um geriatra tão famoso quanto picareta. E nada. O terceiro doutor também não resolveu, mas pelo menos teve uma serventia: pediu ao pai que fizesse hidroginástica. Uma fisioterapeuta da clínica foi direto ao ponto: era bom levá-lo a um neurologista. Àquela altura, após vários tratamentos, o pai só fazia piorar. Cada vez mais impaciente e trêmulo, relutou em seguir a sugestão, não acreditava mais nos médicos. Mas acabou indo à médica.

A neurologista lhe pediu uma série de exames, para medir o tamanho do estrago já feito pela doença: Parkinson. Ela lhe receitou alguns medicamentos. Visivelmente aborrecido com o diagnóstico, o pai não queria parar na drogaria naquela noite. Foi voto vencido.

Duas horas depois de chegar em sua casa, o filho foi avisado de que o pai ligara, queria falar com ele:

- Filho: já tomei os remédios da noite. E me sinto bem mais tranquilo e desembaraçado, acho que vou dormir bem nesta noite. Milagre.

Naquele final de segunda-feira, pai, mãe, filho, filha e nora, todos, enfim, choramos de alegria. Mesmo sabendo que não haveria cura.

(OS – Atualizado em abril de 2019)

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O pai não queria mais o cobertor, queria mudar de lado, queria ficar sentado, queria tomar água, queria o cobertor de novo e mudar de lado também, queria tirar a fralda, não estava na hora do café, não? Por Orlando Silveira
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