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Perdão. A ideia era falar de negócios
e de propaganda enganosa que, a bem da verdade, não era exatamente propaganda
enganosa. Era um equívoco semântico. Enveredei num papo de drive-in, que era para onde íamos, os apaixonados, naqueles tempos
de fusca. Claro, me refiro aos prontos, como eu. Motel era coisa para gente bem
de vida.
Voltemos ao que importa. O pai nasceu
em Florianópolis, Santa Catarina. Filho único, ele chegou por aqui, em São
Paulo, há muitas décadas, com a mãe (viúva), duas maletas, uns trocados no
bolso, uma máquina de costura de mão e todos os sonhos do mundo. Estudou,
trabalhou, deu aulas particulares. Um mouro, o pai. Casou-se. Menos de um ano
depois, eu dei o ar da graça.
Por mais que o pai trabalhasse, não
tinha jeito: o dinheiro do mês mal dava para a quinzena. Ele matutou, matutou,
resolveu empreender. Precisava, dramaticamente, dar vida melhor para a mãe,
assegurar o futuro dos filhos. Certo dia, ante a penúria que toda geladeira
vazia denuncia, resolveu abrir o próprio negócio: comprou um triciclo daqueles que se usava para a entrega de pães, contratou um conhecido desocupado, traçou um plano de
vendas e sonhou alto: o cara sou eu, deve ter imaginado. Então, anunciou em
alto e bom som, cheio de confiança: vamos fazer “bananas recheadas”. Fez mais:
delegou às mães – à dele e à minha – a tarefa de fazer as tais das “bananas
recheadas”, que nada mais eram que pastéis de bananas, salpicados de açúcar e
canela. Deliciosos. Até hoje sinto o cheiro deles (ou delas?). E babo. Cachos
de bananas verdes foram dependurados por toda a casa, à espera do amadurecimento, do ponto certo.
Pequeninho, eu me lambuzava com as bananas.
Como o dinheiro era curto, o negócio,
infelizmente, naufragou em menos de uma semana. Não havia capital de giro. No
primeiro dia, após horas de rua, o conhecido desocupado, recém-alçado à
condição de vendedor, retornou à sede da empresa: vendera apenas uma das quase
duzentas “bananas recheadas” com as quais fora para as portas de fábrica na
hora do almoço dos operários. Segundo mãe e avó, comemos “bananas recheadas” até passar mal.
Sem se alterar, o pai quis saber do funcionário o que justificaria tal
insucesso (o pai jamais usaria o termo fracasso) de vendas do primeiro dia.
Varou a madrugada refazendo a estratégia. No dia seguinte, pediu às mães que
repetissem a produção da véspera. Dizem que não foi fácil fazê-lo aceitar a
ideia de que cem bananas estavam de bom tamanho. E olhe lá! Pela mãe – a minha
–, o “empreendimento” teria morrido ali mesmo, evitando, assim, trabalho inútil
e novos prejuízos.
O pai sempre pensou grande. Mais: nunca
desistiu facilmente de alguma ideia. De tempos em tempos – e durante anos –,
voltava ao assunto, ameaçava retomar a iniciativa, para a apreensão de todos
nós. Não se conformava com o fato de as “bananas recheadas” não terem encantado
a freguesia. “Se fosse hoje, com a internet e tudo mais...” Eu desconversava
sinceramente, ele também desconversava, mas só aparentemente. A ideia de
retomar a aventura lhe formigava os miolos. O fato é que ele jamais conseguiu
me explicar por que um simples, embora delicioso, pastel de banana era chamado
de “banana recheada”. A banana não levava recheio algum, ela era o recheio. Que
diabos! “Questões culturais, tradição de minha terra”, limitava-se a dizer, sem
convencer ninguém. Vai ver que foi por isso que o negócio não deu certo. Sei
não. Como, porém, explicar o fracasso da granja montada no quintal de casa? Mas essa prosa fica para outro dia.
(Orlando Silveira - atualizado em fevereiro de 2019)
Adorei! Delícia de texto! Nós sabemos quantos nós em pingo d'água deram os nossos pais, para tentarem nos dar uma vida melhor! Comigo tbém não foi diferente. Nunca houve muitas facilidades, não e eu aprendi tbm a dar nós em pingo d'água!
ResponderExcluirObrigado, Marlene. Li sua mensagem no face.
ExcluirSaudades deles.......tivemos os melhores pais do mundo.
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