--
Gostei de ver meu amigo Velho Marinheiro ontem à noite, na fila de autógrafos, todo nos trinques,
arrumado, cheirando perfume bom. Até Deolinda comentou.
-- O
que ela lhe disse, Ananias?
-- Que
o senhor estava um “gato”.
-- Não me
venha com zombaria, seu vagabundo.
--
Verdade, Velho Marinheiro, juro. “Gato”. Palavra dela.
-- Não
me importa. Deolinda é minha amiga, tem idade para ser minha filha. Vamos
voltar ao livro.
-- Tudo
bem. O senhor é quem manda.
-- Ananias:
tenho gênio difícil, mas não sou homem de fazer desfeita para seu ninguém,
nunca fui. Não suporto uma coisa dessas. Não poderia deixar de ir ao lançamento
do livro. Muito embora você saiba o que eu penso de Romualdo Bastos: é uma besta
de discurso oco e empolado. Nem poderia ser diferente. O homem não faz outra
coisa, além palavras cruzadas.
-- Mas
o senhor gostou do romance?
-- Não.
-- Mas já
leu o livro inteiro?
-- Não
li nem vou ler. Livro é como mulher. De cara, a gente percebe se vale a pena. Aliás, se
você quiser, eu lhe dou o meu exemplar.
-- Não
precisa. Eu também comprei um.
-- Qual
o problema? Você dá de presente para um desafeto. Não é possível que você não
tenha nenhum desafeto. Além do mais, até onde sei, sua sogra está viva e com
saúde.
-- Está
bom. Vou pensar. Mas por que não gostou do romance?
-- Porque
o livro é a cara do autor. Ele deve ter escrito aquela porcaria caçando
palavras difíceis no dicionário, para impressionar os incautos. É uma escrita
de cartola e pincenê, se me entende. O que poderia ser dito num único parágrafo
consome páginas e mais páginas. Romualdo também abusa dos gerúndios. E o pior
de tudo: escreve como se estivesse cumprindo uma missão impossível – salvar o
mundo. A função do romance é outra. Se gostasse de conselheiros, vivia de mãos
dadas com o padre Chico. Deixa pra lá. Mas, afinal, você quer ou não quer o
livro?
--
Aceito.
Nenhum comentário:
Postar um comentário