Ilustração: Arquivo Google |
- Inês, eu sou obrigado a admitir: você ganhou a batalha da
comunicação. Tanto fez, tanto faz que os filhos – todos eles, sem exceção – não
estão nem aí comigo. .
- Pelo amor de Deus, Jorginho, vai começar? É segunda, a casa está
de pernas para o ar. Em vez de ficar reclamando, inventando coisas, você devia
é me ajudar. Ontem, não foi tudo bem? O que mais você quer? Todo mundo comeu,
bebeu, conversou, deu risada, não teve sequer uma discussão. Até você se
comportou: bebeu, mas não encheu a cara nem o saco de ninguém. Coisa rara,
convenhamos.
A guimba ainda fumegava no cinzeiro, mas Jorginho tratou de acender
outro cigarro. Sinal de que não havia dado os trâmites por findos. Retomou a
velha cantilena:
- Não acredito que você não perceba. Tento puxar conversa, mas é
impossível. As respostas são todas monossilábicas. Agem como se eles estivessem
me fazendo um favor. E o que é pior: as duas noras e os dois genros seguem a
mesma trilha. Verdadeiro complô. Daqui a pouco, serão os netinhos. Fico sabendo
por terceiros que o Júnior trocou de carro, que a Maria foi promovida no
serviço, que Isaura conseguiu o título de doutora... Mandam as fotos das
crianças só para você.
- Jorginho, o que você quer que eu faça? Fale com eles?
- Nem pensar. Nem pensar.
- Por que não?
- Inês, eu não sou homem de passar recibo.
- É verdade. Orgulhoso, você nunca passou recibo. Em compensação,
deixou rastros por toda parte. Ora, eles não gostam que você beba e faça piadas
tolas na frente de todos. Eles não esquecem o caso que você teve com aquela
mulher. Por eles, eu não vivia com você há muito tempo.
- Aquilo é coisa do passado. Faz tanto tempo, francamente. E, de lá
para cá, nunca mais aprontei, Inês. Você sabe disso.
- Quem apanha não esquece. Eles eram pequenos. Sofremos um bocado.
- Por que você está comigo, se por eles... Você ainda me ama, Inês?
- Jorginho, vai tomar seu aperitivo, vai. Não vou fazer almoço hoje.
Sobrou muita coisa de ontem.
(Orlando Silveira –
ATUALIZADO EM AGOSTO DE 2018)
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