Dito e Dita num ponto sempre concordaram. Aqui
se faz. E aqui se paga. Caro.
Aderbal pagou.
Não por falta de aviso, porque Benedita,
a Dita, filha do velho Dito, nunca foi mulher de mandar recados. Nem de
ameaçar. Censurava Aderbal com o olhar certeiro, certo? Quem tivesse tino que
entendesse. Do contrário, amargaria a solidão.
Aderbal não entendeu picas.
Morreu só.
Pobre Aderbal.
Aderbal não acreditou nos avisos que não vieram
por escrito. Só por olhares.
Aderbal, homem antigo, só acreditava no escrito. Prova disso é que jogava no bicho.
Aderbal se
embriagou, achou que o fígado e a paciência de Dita seriam para sempre. Aderbal
– um homem de tino miúdo. Não mau, necessariamente. Criou filhos. Deu-lhes o conforto
possível. Trabalhou pra caralho. Aderbal, tolo.
Depois que tomou o pé na bunda, Aderbal
percebeu que não eram para sempre: a paciência de Dita e o fígado. A solidão é
foda. Aderbal foi ao limite. Que graça viver, se o amor acabou?
Aderbal morreu atropelado. De tanto beber.
Dita encomendou
uma missa pela paz que Aderbal nunca teve em vida.
-- Não quero menosprezar seu
trabalho, pastor. Longe de mim uma barbaridade dessas. Mas, se eu tivesse todo
esse dinheiro que o senhor me pede para que Jesus me cure, tinha ido ao médico.
Quero minhas muletas de volta.
IDADE DE CRISTO
Meus olhos marejam por qualquer
coisa. Sinto saudades de uns e outros, de todos. Acabo de me lembrar de tio
Antônio, das festas em sua casa, festas de final de ano. Menino, eu comia até
passar mal. Fartura: frutas, doces, coisas que nem sempre a gente tinha em
casa, apesar do esforço do pai e da mãe. No dia 1º de janeiro, depois da
comilança, tinha jogo de tômbola. 22 = dois patinhos na lagoa; 33 = idade de
Cristo. E por aí íamos, felizes. Sinto saudades do jipe, quase pau de arara: levava
oito: tio Antônio ao volante, pai, mãe, minha irmã, tia Laura, meus primos,
todos de carona. Coisa boa ir ao piquenique de jipe.
TPM
As mulheres poderiam ser perfeitas. O
que as “apequena” é a dita cuja. Sempre mais fortes que os homens, se livram do
“problema” em poucos dias. E nós carregamos o trauma daqueles poucos dias para
o resto da vida. Sabe o que é uma existência constatando o óbvio: mês que vem
tem de novo. Passou da hora de nós criarmos uma ONG em prol das vítimas dos
nervos arruinados: nós, os homens.
E o velho sábio, meu pai, descascava laranjas sem quebrar a casca. Contava histórias, tirava a pele sem ferir o gomo, aguçava o apetite, fazia por puro prazer. Com a calma de monge. O pequeno Dan se deliciava. E nós também. Aquilo tinha gosto de pomar. (OS)
AL CUORE Discurso de padre e pastor, raramente, me faz a cabeça. Mas o badalar solitário dos sinos...
BASTA Finalmente, cansou de esperar em vão. MORTOS VIVOS Os miseráveis de espírito não querem sua própria redenção. A desgraça alheia lhes basta. MARIA FUMAÇA Crise é como trem. Quando se vê, vem uma atrás da outra. FOFOCA - Sabe a última? - Não sei. Nem quero saber. Xô!
Ilustração: Exame/Abril
TANTO FAZ Argumentar para que, se você já tem opinião formada sobre tudo? Pense o que quiser, meu bem. CATIVEIRO Há gaiolas e gaiolas. Todas, porém, são gaiolas. BELAS VISTAS Qualquer paisagem fica mais linda quando se está atrás das grades - reais ou imaginárias. CRISTAL TRINCADO O que era doce desandou.
Uma ilhota cercada de idiotas e prepotentes por todos os lados. Era assim que se sentia. O que mais desejava era sair dali, rapidinho, feito pé de vento.
Mas, como? Não dispunha de papel, caneta e garrafas para lançar mensagens ao mar. Pedir socorro. Ainda que tivesse garrafas, caneta e papel, não daria certo. Como lançar às ondas, do alto de penhasco, seus rabiscos, se não podia ir até o penhasco, proibido que estava de sair da cela, exceto para tomar banho de sol três vezes por semana? Pedir ajuda a quem?
Nesses anos de reclusão involuntária, não conseguiu identificar pessoa em que pudesse confiar a guarda e o destino das garrafas que não tinha. Só lhe restava rezar por um milagre com a fé miúda de sempre. Era o que lhe restava.
A dúvida lhe martelou os miolos por muito tempo, sobretudo nos primeiros dias – tempo de profunda angústia, ansiedade, medo. Tempo de nenhuma certeza. Não conseguia vislumbrar nada além de pontos e mais pontos de interrogação.
Claro que ela vem buscá-lo. Afinal, foram décadas de relacionamento, ora paradisíaco, ora conflituoso. Uma história tão longa, cheia de boas (e más) recordações, não se joga no lixo como se fosse uma bola de papel.
Mas, e se as brigas verbais e violentas dos últimos anos falassem mais alto – uma possibilidade nada desprezível? O fígado, como sabemos, é péssimo conselheiro. A família – filhos à frente – buzinava sem cessar na cabeça dela, sempre aberta ao rancor e blindada contra qualquer possibilidade de lembrança dos bons momentos. Além do que, não é nada desprezível o fato de desfrutar do conforto de ter marido vivo, confinado involuntariamente – e por tempo indeterminado – numa clínica de recuperação. Sai mais barato bancar o pagamento da clínica que custear os vícios das ruas, dizia.ela, enquanto fazia contas. A pressão dos diretores da instituição, todos mais preocupados com os ganhos econômicos que empenhados no bem-estar dos clientes, não deve nunca ser desconsiderada.
Em síntese: ela não veio resgatá-lo. Depender da boa vontade alheia, sobretudo de quem não prima por escrúpulos, equivale a entregar o destino nas mãos de seus algozes. Ninguém merece.
VELHOS FANTASMAS Às vezes, eles simulam um cochilo, mas, na verdade, estão sempre alertas. MODISMO Eis a consagração da burrice. ORAÇÕES Nada mais besta que rezar coletiva e mecanicamente. EXEGETAS Não sabem o significado das palavras que leem, mas se metem a interpretá-las. ABSTINÊNCIA Ela não melhora o caráter de ninguém. Mas evita uma série de transtornos. O que não é pouco. COMIDA (1)
Ilustração: Dreamstime
Do mineirinho esperto: “O come quieto almoça e janta”. COMIDA (2) Do Velho Marinheiro: “Quem assobia não come”. SOLIDÃO A mais doída é a que acomete quem vive em bando. CHATOS Há de todos os tipos e para todos os desgostos. Mas, cá entre nós, os “chapados de Bíblia” são invencíveis. TUDO PASSA Mas precisava demorar tanto?
CELA 45 Pior que as grades é a convivência forçada. GALO Seu canto é certo. Já não se pode dizer o mesmo do dia que se avizinha. A VIAGEM Embora inesquecível, precisa ser esquecida. Para sempre. SEM RETORNO Reatar como, se você queimou todos os navios? O BEM-AMADO Muitos choraram copiosamente no dia em que ele partiu. Quando ele voltou, derramaram lágrimas. As primeiras foram de alegria; as últimas, de raiva. TAL E QUAL
Ilustração: Dreamstime
Deus e os números têm algo em comum: não mentem jamais. Infelizmente, não se pode dizer o mesmo de quem os interpreta. CULTOS Menos circo, mais espiritualidade. PEQUENOS PODERES A maioria dos homens jamais terá noção do quanto é ridícula. Melhor assim. Para eles. PIOR DOS MUNDOS Duro mesmo é se dar conta de que seu destino depende da boa vontade de seu algoz. PARTILHA Ora, como bem disse Paulo, o santo, nem tudo o que posso me convém. Por analogia, nem tudo o que me falam tem serventia.
Filho do músico Cesar Faria, Paulinho da Viola cresceu num ambiente
naturalmente musical. Na sua infância em Botafogo, bairro tradicional da zona
sul do Rio de Janeiro onde nasceu em 12 de novembro de 1942, teve contado
constante com a música através do pai, violonista integrante do conjunto Época
de Ouro. Nos ensaios familiares do conjunto, Paulinho conheceu Jacob do
Bandolim e Pixinguinha, entre muitos outros músicos que se reuniam para fazer
choro e eventualmente cantar valsas e sambas de diferentes épocas.
Ao longo dos anos 70, Paulinho gravou em média um disco por ano,
ganhou diversos prêmios e se apresentou por diversas cidades no Brasil e no
mundo. Já nos anos 80, gravou mais quatros discos e manteve-se como um dos
principais nomes do samba no país. Nos anos 90, entrou numa nova fase, onde a
imprensa e os críticos passaram a vê-lo como um músico mais sofisticado e
maduro. Mesmo sem perder seu apelo popular, Paulinho gravou um de seus mais
importantes trabalhos, Bebadosamba e
montou o espetáculo homônimo.
O trabalho de Paulinho hoje é visto como um elo entre diversas
tradições populares como o samba, o carnaval e o choro, além de suas incursões
em composições para violão e peças de vanguarda. Um dos maiores representantes
do samba e herdeiro do legado de músicos como Cartola, Candeia e Nelson
Cavaquinho mostra que está sempre se renovando e produzindo sem abandonar seus
princípios e valores estéticos.
Sempre foi um sujeito da pior espécie. Fazia jus à fama que, desde sempre, sua categoria profissional desfruta. Advogado medíocre, foi vereador e mais tarde conselheiro do Tribunal de Contas de uma grande capital brasileira. Um larápio bem-sucedido.
Certa feita, apresentou projeto de lei que obrigava os supermercados de médio e grande portes a dispor de um determinado número de vagas para automóveis e a contratar seguro para cobrir eventuais danos causados aos veículos da clientela. A iniciativa lhe rendeu espaços generosos em jornais, rádios e sites informativos. Colheu muitos elogios aqui e acolá.
O projeto passou por todas as comissões temáticas da Câmara. Quando estava pronto para ser votado em plenário, o autor tomou a decisão de pedir seu arquivamento. Ninguém entendeu nada.
Um funcionário do parlamentar – misto de assessor de imprensa e bobo da corte –, no entanto, tinha uma justificativa para tal recuo na ponta de língua:
- Meu vereador é muito esperto. Ele apresentou o projeto a pedido das empresas de seguro. Depois, pediu seu arquivamento por pressão dos donos de supermercados. Levou dinheiro dos dois lados. Hehehe. O cara é fera.
Ananias estava a mil por hora,
agitadíssimo, quase irreconhecível, tímido que sempre foi. Nunca falara tanto e
sobre tantas coisas como naquela tarde de outono.
- Velho Marinheiro: tenho que lhe
dizer algo. Não sei se viverei tanto tempo como o senhor...
- Nem queira.
- Mas, se viver, com certeza, eu não terei sua
saúde, seu vigor, muIto menos sua sabedoria e experiência.
- Meu caro, tenho mais dores do que
você imagina. O vigor que você diz que possuo perto do que tive no passado é
pinto. Quanto à minha experiência e sabedoria, palavras suas, quero lhe dizer
uma coisa: trocaria ambas, sem pestanejar, pelas ereções dos trinta
anos.