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O
Velho Marinheiro estava visivelmente irritado naquele começo de noite. E sempre
que isso acontece quem paga a conta salgada é o dedão esquerdo, já que nosso
Lobo do Mar se põe a caçar sem tréguas o bicho de pé imaginário. Para quem o
conhece, não era difícil imaginar as razões de sua irritação – ela começava com
a gritaria dos fregueses do bar do Carneiro e terminava com o tema das
conversas: reforma política.
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Vou lhe dizer uma coisa, Ananias: sou homem curtido, do mar, de cais do porto,
convivi com gente boa e com a escória. Nunca vi gente tão besta assim – disse
ao amigo e jornalista em fim de carreira, apontando para a turma que, entre um
gole e uma tacada no bilhar, apontava “soluções” para acabar com a corrupção na
política. Essa gente não fala, berra. E só fala besteira. Bando de analfabetos
barulhentos.
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Concordo. Essa zoada perturba a gente, não se pode conversar em paz. Mas gostei
de ouvir um e outro defendendo o financiamento público de campanha. O senhor
não acha que, se não acabar com a corrupção, ele contribuirá para inibi-la?
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“Ele” quem, Ananias?
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Ora, Velho Marinheiro, o financiamento público de campanha.
-- E você acha que essa gente sabe o que é isso? Você está ficando cada vez mais abestalhado, Ananias. O passar dos anos e a uca
estão lhe fazendo mal. Com uma porcaria dessas, eles vão tirar ainda mais
dinheiro do povo. Quem lhe garante que o tal do caixa dois vai acabar?
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Todo mundo sabe que a corrupção começa na campanha eleitoral, com as doações
das grandes empresas, das empreiteiras, dos bancos. Ninguém dá nada para
ninguém, sem esperar a recompensa...
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Não seja ingênuo, Ananias, você já está saindo da idade madura para entrar no
pior dos mundos, que é a velhice, falo por experiência própria. Você acha que empresas
pagam aos políticos apenas uma vez, na campanha eleitoral, e que, depois, por
gratos, eles aprovarão de "graça" tudo o que for de interesse delas, ao longo dos
quatro anos de mandato?
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É que...
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Deixe de ser tolo. Político é quenga. Toda vez que alguém precisa de seus
préstimos tem que lhes pagar. Acertos passados não movem moinhos. E o preço,
meu caro, varia conforme o tipo de serviço. Entendeu?
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Não tinha pensado nisso.
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Então, pense: Ananias.
Parabéns Orlando, pelo belíssimo texto! Você é maravilhoso escritor :)
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