sábado, 1 de dezembro de 2018

E O AMOR SAIU PELA JANELA - CENA XII

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É bem possível que os amigos não se lembrem da história. De histórias tristes procuramos nos esquecer. Também ninguém é obrigado a ler tudo o que sai nas redes sociais, sites e blogs. Eu mesmo, não raro, nem me lembro do que escrevi ontem. Nestes dias, a mulher de décadas, sorvendo sorvetes, diz que a culpa é do destilado. Discussão sem fim. Inútil.


O fato é que a vida conjugal de Vicente e Fátima virou bagunça sem fim. É pena, são tão queridos. Mas daquele mato não sai mais coelho. Eis a verdade: aquele casamento de quase trinta anos está com os dias contados. Disso ninguém duvida. Nem os filhos – tietes da mãe. Como sempre acontece nas melhores e piores famílias.

Vicente é dono de boteco. Fátima, além de esposa, quituteira de mão cheia. Fátima ingressou em uma religião dos últimos tempos e passou a implicar com todos os fregueses que entornam uca e jogam bilhar. Vicente foi à loucura. “Você quer acabar com nosso sustento, demônio” dizia ele, verificador da clientela minguante e das despesas crescentes. Não sei se sabem: o dízimo, às vezes, custa aos incautos os olhos da cara. Melhor morrer pagão.

Foram meses de peleja. Fátima se reconverteu. Caiu em si. Voltou a vender pinga com alegria inaudita. Não há bispo e bispa que enganem todos por todo o tempo. A prosperidade deles se dá por uma simples razão: sempre vêm outros fiéis. Tolos abundam, como se sabe.

Um dia, quase de repente, um clarão iluminou a mente de Fátima. Era como se um anjo lhe dissesse: “Fátima: bebe, fuma e joga bilhar quem quer. De salvadores da pátria o mundo está cheio. E seu bispo, vagabundo, oportunista, que se ferre. Cuide de seu negócio.”

Vicente tinha tudo pra voltar a sorrir. Qual o quê! A cantilena sem trégua de Fátima lhe calou fundo na alma: Vicente aderira à seita. E hoje quem impreca contra a uca e o jogo é ele. Desespero de Fátima: “Ele quer acabar com nosso negócio. Ainda me desgarro desse homem”.

(Orlando Silveira – atualizado em novembro de 2018)


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