O fato é que a vida conjugal de Vicente e Fátima virou bagunça sem
fim. É pena, são tão queridos. Mas daquele mato não sai mais coelho. Eis a
verdade: aquele casamento de quase trinta anos está com os dias contados. Disso
ninguém duvida. Nem os filhos – tietes da mãe. Como sempre acontece nas
melhores e piores famílias.
Vicente é dono de boteco. Fátima, além de esposa, quituteira de mão cheia.
Fátima ingressou em uma religião dos últimos tempos e passou a implicar com
todos os fregueses que entornam uca e jogam bilhar. Vicente foi à loucura.
“Você quer acabar com nosso sustento, demônio” dizia ele, verificador da
clientela minguante e das despesas crescentes. Não sei se sabem: o dízimo, às
vezes, custa aos incautos os olhos da cara. Melhor morrer pagão.
Foram meses de peleja. Fátima se reconverteu. Caiu em si. Voltou a
vender pinga com alegria inaudita. Não há bispo e bispa que enganem todos por
todo o tempo. A prosperidade deles se dá por uma simples razão: sempre vêm
outros fiéis. Tolos abundam, como se sabe.
Um dia, quase de repente, um clarão iluminou a mente de Fátima. Era
como se um anjo lhe dissesse: “Fátima: bebe, fuma e joga bilhar quem quer. De
salvadores da pátria o mundo está cheio. E seu bispo, vagabundo, oportunista,
que se ferre. Cuide de seu negócio.”
Vicente tinha tudo pra voltar a sorrir. Qual o quê! A cantilena sem
trégua de Fátima lhe calou fundo na alma: Vicente aderira à seita. E hoje quem
impreca contra a uca e o jogo é ele. Desespero de Fátima: “Ele quer acabar com
nosso negócio. Ainda me desgarro desse homem”.
(Orlando Silveira –
atualizado em novembro de 2018)
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