sexta-feira, 3 de maio de 2019

QUASE HISTÓRIAS: O AZARADO

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ILUSTRAÇÃO: DEPOSITPHOTOS


Achou estranho o convite para a entrevista, mais ainda o cargo e o salário eventuais. Não entendia nada da futura função. Mas não estava em condições de recusar desafios. Estômago vazio tem o péssimo hábito de roncar. Filhos com fome choram, mulher se aborrece, sogros olham com desconfiança a sinceridade do genro, cunhados dão os piores palpites, vizinhos comentam pelas costas - com a velha e definitiva certeza dos que não prestam. "Sempre foi um vagabundo". Pai e mãe, por mortos, nada podem fazer pelo pobre do Juvêncio. 

Se mais não fosse, Juvêncio estava convencido de que já passara a hora de reconhecerem aquele talento adormecido, que a maioria dava por morto. Há mais: quem tem padrinho não morre pagão, não é? E ele, Juvêncio, tinha, finalmente, arrumado um padrinho - um meio primo picareta, melhor que nada. 

Fez a barba, tomou um banho bem tomado, espanou o paletó puído, calçou os sapatos de uso apenas em grandes e raríssimas ocasiões, tomou um trago e se foi – rumo ao sucesso improvável. Passar pela entrevista de admissão. Impossível não ficar enervado. Meses de desemprego.

- Você sabe por que está aqui, não sabe? - inquiriu o selecionador, com má vontade evidente.

- Claro que sei, respondeu Juvêncio - de peito estufado, coração na mão, com aquele ar altivo dos previamente derrotados.

- Indicação dele.

- Do chefe, eu sei.

- Ex-chefe. O que sabe fazer, Juvêncio?

- Tudo o que for preciso. Sou pau para qualquer obra. Não rejeito trabalho.

- Está dispensado, Juvêncio..

- Mas, e a indicação do chefe, não valeu nada?

- Não. Ele não apita mais aqui dentro. Foi demitido ontem. Foi tarde. Trate de encontrar outro padrinho. A coisa aqui só funciona na base do "QI", quem indica. Fui claro? (OS)






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