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BOLINHO DE ARROZ: SANTO REMÉDIO (*) |
Carneiro
sentiu-se na obrigação de lembrar ao Velho Marinheiro – seu melhor freguês, o
único a lhe pagar as despesas à vista, ou, na pior das hipóteses, no dia seguinte
– que era sábado. Para quem não sabe, no melhor boteco da Vila Invernada, o que
não significa muito, sábado é dia de bolinho de arroz com fiapos de bacalhau,
uma especialidade da casa muito apreciada por todos que ali marcam ponto, em
especial pelos caloteiros.
--
Agora, não, Carneiro. Mais tarde, talvez, se meu humor melhorar.
Ananias
não demorou a chegar. Assim que avistou o Velho Marinheiro, tratou de fazer o que
sempre fazia nos dias em que seu amigo estava visivelmente irado: preparar os
ouvidos e a alma para o que desse e viesse. Tudo bem. Ele sabe que os desabafos
do nosso Lobo do Mar são breves, embora contundentes. Não precisou ir além do bom-dia:
--
Ananias, como alguém pode ter um bom dia num país de vagabundos como o nosso, me
diga?
--
O que houve? – quis saber o jornalista "aposentado" pelo mercado, mas sem receber qualquer benefício da Previdência.
--
No início do mês, minha filha foi até o INSS. Obteve boa notícia: conseguiu,
depois de trinta e tantos anos de trabalho, a aposentadoria integral.
--
Parabéns. Por que a irritação, Velho Marinheiro?
--
Disseram a ela que, dentro de um mês, receberá uma carta confirmando o valor do
benefício e o total dos atrasados. A carta ainda não veio. Mas a vida dela
virou uma caceteação. Todos os dias pulhas lhe telefonam, várias vezes, de
diferentes empresas, para lhe oferecer o tal de crédito consignado. “A senhora
tem a seu dispor um crédito de até não sei quantos mil reais.” Ora, é o pessoal
do INSS que passa as informações para esses vagabundos. Nome completo, endereço
e telefone, tudo. Quem autorizou a canalha a fazer isso? Cadê sua privacidade?
É evidente que os ordinários não repassam aos bancos e a outras empresas de
crédito tais informações de graça. Pode uma coisa dessas?
--
Não, não pode. Mas é assim mesmo.
--
Assim mesmo o cacete. Ananias, uma coisa dessa não pode ser. Você não tem paz nem
na sua própria casa. Um inferno. O telefone não para de tocar. Para se livrar
dessa gente, é preciso ter paciência de Jó. Coisa que jamais tive.
Experiente
no trato com o Velho Marinheiro, Ananias promoveu uma breve pausa - estratégica e
silenciosa -, para reabastecer os copos e fumar um cigarrinho na calçada. Tempo
suficiente para o Velho Marinheiro esfriar a cabeça.
--
O senhor tem razão. O Brasil virou um bordel.
--
Não ofenda as putas, Ananias.
--
Vou pedir ao Carneiro uns bolinhos de arroz, que tal?
--
Uma boa. Ananias, seus ouvidos generosos e os acepipes do Carneiro me fazem um
bem danado. Se não me trazem de volta a paciência que nunca tive ao menos adiam
o infarto.
(*) FOTO: ARQUIVO GOOGLE
(*) FOTO: ARQUIVO GOOGLE
(OS –
FEVEREIRO DE 2017)
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